segunda-feira, 24 de setembro de 2012

NEUROCIÊNCIA DÁ RESPALDO ÀS PSICOTERAPIAS, USADAS PARA A SOLUÇÃO RÁPIDA DE TRANSTORNOS

Os psiquiatras Fátima Vasconcellos, Fábio Barbirato e Vera Lemgruber: curso na Casa do Saber. Foto: Ana Branco
Os psiquiatras Fátima Vasconcellos, Fábio Barbirato e
 Vera Lemgruber:
curso na Casa do Saber. Foto: Ana Branco


RIO - A imagem é um clássico das tiras de humor: um paciente desesperado fala sem parar no divã enquanto o terapeuta faz a lista do mercado, dorme ou fantasia alguma outra coisa. Exagero, é claro, mas na visão de um grupo de especialistas, a proposta para este paciente transtornado seria um cardápio de psicoterapias, com profissionais mais ativos, que dão diagnóstico, sugerem soluções e programam um tratamento a curto prazo. Uma espécie de coaching emocional. Para eles, a psicanálise tradicional é um instrumento de autoconhecimento para pessoas saudáveis debaterem questões filosóficas. Para resolver transtornos, a melhor pedida seriam as psicoterapias.

- A neurociência mostra que as terapias, quando bem feitas, trazem modificações neurológicas. Se eu tenho instrumentos para fazer essas mudanças, por que não fazê-las de forma mais rápida? - questiona o psiquiatra Fábio Barbirato, coordenador dos departamentos de Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia e da Associação de Psiquiatria do Rio, além de membro da Academia Americana de Psiquiatria Infantil.

De 2 de junho a 14 de julho ele coordena o curso "A relação entre neurociência e psicanálise - de Kandel a Freud", na Casa do Saber, no Rio. Em seis aulas, nomes ligados à psiquiatria, psicologia e neurociência como Vera Lemgruber, Fátima Vasconcellos, Analice Giglioti e Mário Juruena, entre outros, vão contar, para um público leigo, o que é possível extrair dessa relação, além de discutir os conceitos das diversas psicoterapias disponíveis para o tratamento de transtornos de comportamento.

- A neurociência permitiu que a psicanálise, que era vista como a única forma de tratamento, passasse a ser uma das opções, e validou as outras - diz a psiquiatra e psicóloga Vera Lemgruber, coordenadora do setor de Psicoterapia da Santa Casa de Misericórdia do Rio.

- Sabemos que, para determinados transtornos, sem os medicamentos chamados buffers (amortecedores), é muito difícil. É como se eles nos ajudassem a passar pelos buracos da estrada da vida. Isso não vai consertar os buracos, mas dá pra passar por eles sem levar tantos trancos e tendo um pouco mais de energia para, numa psicoterapia, questionar o rumo da estrada. Esse trabalho faz com que você reaprenda, seus neurônios fazem novas conexões - explica. 

Amortecedores de emoções mais fortes

Ao comprovar o funcionamento do cérebro, a neurociência deu respaldo às psicoterapias que antes se debatiam com as teorias de Freud. Os neurologistas brasileiros Jorge Moll Neto e Ricardo de Oliveira-Souza, por exemplo, explicaram as áreas responsáveis pelo juízo moral e definiram o cérebro dos psicopatas.

- Hoje sabemos, através de testes e exames realizados neste trabalho, que pessoas com hipofuncionamento do lobo frontal têm incapacidade de fazer julgamentos morais e, se houver uma lesão cerebral nessa área, há esse tipo de prejuízo - diz Vera.


cérebro é como um computador que se reorganiza em resposta 

Com tipos de mapeamento como este, tratamentos para síndrome do pânico, depressão, ansiedade e transtornos alimentares, entre outros, podem ser feitos com um foco específico e em menos tempo para que a pessoa possa retomar a vida. Da mesma forma, questões de melancolia e angústia servem melhor à psicanálise, na opinião dos especialistas.

- Ninguém discute as contribuições da psicanálise na construção de uma teoria de funcionamento cerebral. Mas hoje se fala muito de uma psicoterapia psicodinâmica. Se uma pessoa tem estresse pós-traumático depois dessas chuvas da região serrana do Rio, a gente tem que ser capaz de encontrar uma técnica para tirar a pessoa do buraco. Há necessidade de lidar com a realidade do imediato - diz Fátima Vasconcellos, mestre em Psiquiatria pela UFRJ, professora de Psiquiatria da Universidade Gama Filho e presidente da Associação de Psiquiatria do Rio de Janeiro.

O efeito carambola

Diante da polêmica de que dessa forma se trata o sintoma e não a causa do problema, Vera Lemgruber recorre ao termo efeito carambola para explicar os resultados da técnica focal. A expressão é usada no jogo de sinuca para definir a jogada em que uma determinada bola é atingida pelo taco e, ao se movimentar, atinge outras bolas que não haviam sido tocadas diretamente:

- Se você diagnosticar e trabalhar com foco num problema específico, quando ele for resolvido pode resolver ainda outras áreas sem o coach ao seu lado. Uma síndrome de pânico pode ser curada na maior facilidade quando não representa outras coisas, mas muitas vezes é a expressão patológica de transtorno de dependência - explica.

No caso de crianças o problema é ainda mais grave, já que a infância é curta e não pode ser desperdiçada em tratamentos longos ou errados.

- Hoje se fala muito em hiperatividade e transtorno de déficit de atenção, mas depressão e ansiedade atingem um número até três vezes maior de crianças, com sintomas muito mais complicados. A criança muitas vezes está agitada na sala porque o pai vai buscá-la no fim da aula e fica desatenta. Ela não é hiperativa, tem um quadro de ansiedade. Um bom terapeuta tem que saber identificar isso - exemplifica Fábio Barbirato, que no curso vai justamente explicar aos pais sobre desenvolvimento normal, dizer por exemplo o que esperar de uma criança de 5 anos à luz da neurociência:



- Se os pais esperam que a criança arrume o quarto e faça letra cursiva nessa idade estão errados, porque ela não tem capacidade neurocientífica pra isso, uma região do cérebro precisa estar desenvolvida pra isso e ainda não está. Ao fazer isso os pais podem desencadear um estresse no hipocampo e um quadro de ansiedade.

Já em adultos Fátima Vasconcellos cita o caso do músico Herbert Vianna, paralisado depois de um acidente de ultraleve em 2001:

- Como ele sempre foi muito criativo, o cérebro passa por essa questão da neuroplasticidade: quanto mais se usa, mais ele se desenvolve, mais conexões ele faz. Se eu perder a fala hoje, meu cérebro será estimulado a criar outro circuito de fala para se sobrepor ao que eu perdi.




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