1. Sobre o tema e suas direções
Este relatório é produto de um ano de trabalho em instituições de pacientes de AIDS. A pergunta sobre as possibilidades e limitações do psicólogo no atendimento com pacientes de AIDS, nasceu durante o curso de antropologia ministrado pela professora Carla, durante o 3o. período. Foi feita uma entrevista com um paciente soropositivo, que era militante do GAPA-MG.
Este paciente é um homossexual que na época tinha 40anos, era divorciado de uma mulher com quem tivera uma filha, de 19 anos. Contraíra a doença em saunas gays, na década de 80, logo após assumir para a esposa sua condição. Separaram-se e ele manteve vários relacionamentos homossexuais.
As propagandas divulgando a doença e esclarecendo sobre o comportamento de risco, fez este paciente pensar que poderia estar contaminado. Procurou um médico e fez o exame. Após o resultado positivo, procurou vários outros profissionais, buscando falsear o resultado, inutilmente. Entra em depressão e é aposentado pela empresa multinacional, onde ocupava um cargo de confiança. Diz que havia desistido de viver, mas não tinha forças nem para se matar. Procura um analista, elabora suas questões e dois anos após o resultado de seu exame, funda o grupo Viver e o Gapa-MG. Militante das questões que envolvem homossexualismo e AIDS, este paciente encontrou no trabalho de ajuda a outros doentes e soropositivos, um motivo para recomeçar sua vida.
Durante 360 dias, incluindo fins de semana entrevistei profissionais, participei de grupos e conduzi em estágio de práxis psicanalítica e na área hospitalar, a análise de pacientes de AIDS em diferentes estágios. Tal trabalho me obrigou a uma teorização sustentada por um exaustivo levantamento bibliográfico.
Acho imprescindível uma revisão teórica, para introduzir logo após, as possibilidades de um atendimento psicológico. Como o trabalho proposto na clínica de AIDS foi interrompido prematuramente, tentarei não dar um ar de trabalho terminado, pois o trabalho em hospital é interminável e precisa sempre ser revisto e teorizado. Não é possível escolher um caso isolado, todos foram singulares e especiais. Mas sem dúvida a clínica de AIDS é e será sempre um trabalho muito recompensador, apesar de angústias e dúvidas sempre revividas. Nos grupos, encontrei homossexuais em conflito, mulheres revoltadas com uma bissexualidade dos maridos ou amantes e crianças assustadas pelo preconceito social de que eram vítimas e nem ao menos sabiam o porquê.
Vários pacientes morreram no CTI do hospital das Clínicas ou do Eduardo de Menezes durante o trabalho. Outros recusaram o atendimento, e preferiram viver e elaborar a angústia a seu modo. Outros preferiram passar esta fase difícil em companhia de quem amavam, mas muitos abriram o caminho para um estudo e acolhimento profissional especializado. Sem dúvida a questão do atendimento psicológico ainda paira no ar: qual a melhor abordagem para um trabalho psicológico com pacientes de AIDS? Como realizar uma psicanálise em uma situação tão urgente? Quais as formas possíveis: Individual ou atendimento em grupo? Como trabalhar com crianças?
Eu optei pelo trabalho de psicanálise, pensando em uma clínica da pulsão. Mas este trabalho me deu a oportunidade de realizar um estudo sobre os métodos possíveis, e que não devem ser desprezados, mas escutados e se não nos sentirmos capazes de abordar o paciente em tal teoria, saber que nem todos os pacientes precisam escolher a nossa abordagem e há outras que podem acolher e ajudar. Afinal o compromisso ético do psicólogo é com seu cliente, um compromisso de responsabilidade e respeito com tudo que vem do ser humano.
2. Histórico
A AIDS surgiu nos USA, no final da década de 70, embora não se saiba ao certo como iniciou. Várias hipóteses foram inventadas; uma diz que seria uma criação de laboratório, para experimentos que levariam a uma guerra bacteriológica, mas a teoria mais aceita é que seria uma virose originária de macacos africanos que se disseminou entre os seres humanos daquele continente, para depois ser propagada para a América Central e então para a América do Norte por Homossexuais e drogaditos.
Esse pensamento, começou a mudar no século XV, com a crença que no momento da própria morte, o indivíduo, cristão ou não, teria uma oportunidade para se arrepender de seus pecados. Tal pensamento torna a salvação dependente do próprio indivíduo, que podia assim, viver fora dos valores religiosos e no momento da morte harmonizar-se com a religião. Até o século XVIII, o indivíduo fazia um testamento, onde incluía condições para a salvação de sua alma. Estas condições, que deviam ser realizadas, perde seu sentido após este século, quando o ritual passa a consistir no culto às sepulturas, desenvolvendo o sentimento de afetividade familiar.
Parece que foi com o aumento dessa afetividade que a idéia de morte tornou-se mais difícil, na cultura ocidental. A família deixa de compartilhar a consciência de morte do indivíduo e, antes pelo contrário, passa a negá-la e a evitá-la. É nesse contexto que a morte em casa passa a ser evitada, passando os familiares a desejar a morte no hospital, a evitar longos velórios e enterros, preferindo a cremação dos corpos.
Enquanto na Antigüidade, a renovação das gerações, possibilitada pela reprodução sexuada, era vista como forma de evolução, hoje em dia, estamos acostumados a lidar com a vida como se a morte não existisse, pelo menos não para nós mesmos. Freud em "Nossa atitude diante da morte", diz: " No fundo ninguém crê em sua própria morte" e mais adiante, "no ICS cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade.
É nesse momento atual, onde a sociedade se vê em dificuldades para aceitar a morte que surgiu a AIDS, trazendo à tona, de modo compulsório questões e tabus que até então eram resguardadas para o sujeito. AIDS e morte tem uma relação estreita. Percebe-se nos atendimentos a pacientes soropositivos que estes relacionam seu futuro com a morte, de forma culpada e preocupados com seu tempo de vida.
Quase todos os pacientes que foram observados, sabiam que seus comportamentos, poderiam levá-los a ter AIDS, ou seja, sabiam que eram responsáveis pela contaminação. O conhecimento de ser um agente ativo, parece fazê-los se sentir responsáveis por sua própria morte, que a eles parece ser prematura.
Retomando as atitudes de se expor às formas de contaminação, penso que elas podem ser entendidas, à luz da teoria psicanalítica, fazendo uma análise do que o sujeito tem de mais primitivo, as pulsões.
4. Pulsão e AIDS
Pensava-se que os números de contaminações diminuiria com o aumento da informação sobre AIDS, mas temos percebido que tal perspectiva não tem se concretizado. As pessoas relatam estar bem informadas sobre as formas de contaminação, mas mesmo assim, relatam correrem riscos, sabendo que correm tal risco, mostrando de modo evidente e até cruel que os comportamentos do sujeito podem ser expressão tanto de vida quanto de morte. Freud, em 1920, escreveu "Alem do princípio do prazer", considerando que o sujeito tenha sempre prazer, ou seja, que os eventos mentais são regulados pelo princípio do prazer. Mas como este prazer tende a contrariar outras forças internas, a harmonia nem sempre acontece favorável ao prazer, resultando muitas vezes em sofrimento do sujeito.
No mesmo texto Freud diz, que o princípio do prazer é um mecanismo de funcionamento do aparelho psíquico, que visando a auto-preservação do organismo, mostra-se muitas vezes ineficaz, podendo até colocar o sujeito em risco. Mais adiante, Freud considera existir dois tipos de processos, contraditórios e que coexistem no sujeito, operando um de forma construtiva e outro de forma destrutiva. Diz Freud: "... descrevemos a oposição não entre instintos do ego e instintos sexuais, mas entre instintos de vida e instintos de morte", completando mais na frente que "o princípio do prazer, parece na realidade, servir aos instintos de morte."
Nos pacientes de AIDS, parece que podemos observar comportamentos que nos permitem deduzir, que são regidos pelo princípio do prazer, pois parecem buscar o sofrimento para si e em alguns casos, causar sofrimentos. Retomando Freud, que conclui que os atos regidos pelo princípio do prazer podem ser regidos tanto pela pulsão de vida quanto pela pulsão de morte, responsável pela repetição compulsória de atos que causam dor e sofrimento. Nas situações que o processo primário parece não conseguir se transformar em processo secundário, a pulsão de morte parece se sobrepor à pulsão de vida.
A pulsão de vida e de morte, parecem se misturar a todo instante, assim um ato pode estar servindo a uma ou outra pulsão.O ato sexual, por exemplo, pode estar vinculado a pulsão de vida, mas é a morte das pessoas já existentes, que dá condições para que as novas espécies sobrevivam. Podemos então pensar com Freud, que "a morte é antes uma questão de conveniência, uma manifestação de adaptação às condições externas da vida". Ainda no "Além... ", Freud considera que o aparelho psíquico, substitui o processo primário, que está regido pelo princípio do prazer, sob a dualidade pulsional, em processo secundário, ou seja regido pelo principio de realidade. Com isso, queremos dizer que o aparelho psíquico visa proteger o sujeito, transformando a manifestação da pulsão de morte em manifestação da pulsão de vida, ou seja, possibilitando que o prazer seja alcançado, porém em concordância com o princípio de realidade.
Podemos então, tentar explicar a contaminação e a recontaminação do sujeito HIV+, bem como o comportamento de transmitir o vírus, a outras pessoas, à luz da teoria das pulsões. "Em pulsões e suas vicissitudes", Freud diz que uma pulsão pode se manifestar de diversas formas, passando por diversas vicissitudes. Uma das formas, que nos interessa é a reversão ao seu oposto: "A reversão de um instinto ao seu oposto transforma-se, mediante um exame mais detido, em dois processos diferentes: uma mudança da atividade para a passividade e uma reversão de seu conteúdo.
Um par estudado por Freud que nos interessa, é o par sadismo - masoquismo. Enquanto para ele o sadismo é um mecanismo de defesa da libido narcísica contra a pulsão de morte, o masoquismo é o fracasso desse mecanismo. Assim, os pacientes que se contaminam e os que se recontaminam, estão dirigindo a pulsão de morte contra o ego: masoquismo, enquanto os pacientes que buscam contaminar aos outros estão dirigindo a pulsão de morte para o exterior, buscando a proteção do ego, é o sadismo.
Agora, acho ser possível analisar a questão da responsabilidade dos pacientes em sua contaminação, pois para a psicanálise, o sujeito não é inocente, frente à ação determinada pelo saber inconsciente.
Há um complexo conjunto de determinações que direcionam o sujeito para determinadas relações e ações que se repetem. É a pulsão de morte a responsável pela repetição, portanto é o sujeito responsável (na maioria das vezes) por sua contaminação. Mas a responsabilidade não se refere ao ato, mas sim ao caráter: o homem se sente responsável pelo seu ser, o que significa admitir que a ação tem uma condição subjetiva, o caráter, e o sujeito percebe que não é inocente nisso que sofre, pois é inevitável que um ato seu preceda todo o processo de contaminação, e neste instante, que o sujeito deve perceber que não é um pobre coitado, marcado por um destino miserável e uma vida cheia de tocaias. Neste momento, em que o sujeito se dá conta de que está implicado neste ato, uma presença que escute isto que o sujeito tem a dizer, se torna possível, e segundo a teoria psicanalítica, a presença do psicólogo se faz necessária.
5. Aids e grupo de risco: uma questão social.
Uma revisão na história, nos permite verificar que a sexualidade humana está vinculada à moral e a história da igreja, que desde seu surgimento, passou a dizer o que era permitido praticar e o que era pecado e deveria ser evitado. Para difundir suas idéias e obter resultados, começaram a disseminar sentimentos de culpa.
Durante a Inquisição, prostitutas e mulheres virgens, porém belas, foram condenadas à fogueira, por suspeitas de manterem relações sexuais com o diabo. Como conseqüência, a reforma religiosa levou a uma volta à moral antiga, dando a igreja amplos poderes sobre a sexualidade do indivíduo que precisava da sua permissão para se casar.
Mas é, segundo Foucault (1984), no século XVII, século que marca o desenvolvimento do pensamento capitalista, que a repressão sexual é intensificada, embora se encontrem registros de haver mais liberdade que no século XIX. O século XVII marca também que a prática sexual era regulada pelo poder e falar de sexo era considerado subversão da moral e dos bons costumes, ditado pelos capitalistas burgueses. A ação da igreja incentivou o controle, e a repressão foi mantida, encerrando a sexualidade dentro de casa, um privilégio dos casais que praticavam a única forma de sexo aceitável.
Qualquer outra prática sexual, deveria ser negada, escondida, ficando a relação dentro do casamento restrita aos atos regulares e aceitos: as carícias, abstinência e fertilidade passam a ser normatizadas, numa escala de certo e errado. Nos dois séculos seguintes, as práticas reprimidas foram repensadas, desviando a atenção do casamento para a sexualidade desviante, dos loucos e das crianças.
O homossexualismo nesta época é visto como conseqüência de perversões e desvios sexuais. Mas é no século XX, que alguns tabus são discutidos, as repressões são menores e muitos comportamentos passam a ser aceitos. As relações extraconjugais, bem como as pré- matrimoniais e entre pessoas do mesmo sexo, passam a ser toleradas, de forma implícita. Certos comportamentos ainda considerados desviantes são recriminados socialmente, buscando a sociedade, respaldo científico para as práticas legais. Atos considerados anteriormente, pela medicina, como desviantes são considerados como distúrbios em critérios diagnósticos recentes, como o DSM-III.
Atualmente, vemos que a exploração da sexualidade é tida como formas de propaganda positiva. Muitas empresas associam seus produtos como forma de obter prazer, o que atesta que o controle da igreja já não mais interessa aos capitalistas, por trazer prejuízos, não mais lucros.
A AIDS marca a história do século, sendo descrita e caracterizada medicamente, num momento de transição histórica, que, acreditávamos que as enfermidades infecciosas e, sobretudo, as ameaças de epidemias, já não constituíam um problema para as sociedades modernas. Ao trazer à tona tabus e estigmas sociais tais como o sexo, a sexualidade, a droga, o preconceito e a violência, a AIDS nos remete a situações passadas, em que doenças graves ligadas à sexualidade foram motivos de discriminação e de culpabilização dos doentes. Torna-se necessário qualificar, particularizar e dimensionar a situação da AIDS nesse contexto de morbidade.
Essa doença que surgiu como categoria diagnóstica marcada por questões como a homossexualidade, o que pode ser mais evidenciado por uma das primeiras denominações propostas, Gay related Immune deficiency9 passa a ser uma doença causada por um ‘mau comportamento' "e as pessoas que sempre cumpriram um destino de impureza atribuída do ponto de vista de nossa tradição patriarcal, que tinham a Síndrome de Inferioridade Adquirida (AIDS/SIDA e que sempre existiu), passam a ter um vírus para identificá-las, que as tornam ‘cientificamente' perigosas"8 . A sexualidade dita homossexual passou a ser abertamente considerada como uma sexualidade sem freios, completamente promíscua. Da mesma forma, a possibilidade de existência de doentes heterossexuais foi descartada, num primeiro momento e, transcorrido 15 anos, ainda com base na mesma vinculação, os discursos remetem paradoxalmente a uma crença na justiça do mundo, apontada com soberana convicção pelos mecanismos de defesa: a AIDS acontece com os outros e não comigo.
As outras situações de risco para a AIDS têm um ponto em comum com a prática homossexual: envolvem a introdução do vírus no organismo humano circunstâncias que dependem direta ou indiretamente de ação consciente do ser humano: relações heterossexuais, injeção de drogas, transfusão, transmissão placentária. Assim criam-se as vítimas culpadas, responsáveis pelo seu padecimento merecido, que se contrapõem às vítimas inocentes do mesmo mal. A AIDS, desta forma pode ser classificada naquele grupo de doenças que dependem do comportamento e podem por ele ser modificadas. Assim a AIDS não é socialmente comparada com outras doenças, facilitando que um problema da Saúde Publica se confundisse com questões morais.
Em muitas entrevistas, foi comum verificar que a AIDS é uma doença maldita, que marca o paciente como transgressor da moral e regras sociais, levando-o a se sentir culpado. Para a sociedade, nada mais justo do que se sentir culpado, "do doente de AIDS ninguém tem pena", diz um paciente.
Na verdade, percebe-se que a AIDS, provocou grandes traumas na sociedade. Houve alterações profundas nas relações do portador com sua família, grupo social e profissional. Parece que no nível Social, a AIDS está sendo comparada à peste negra; os pacientes carregam um estigma que apesar de não ter amparo legal, pode ser reconhecido nos discursos correntes.
Nelson Solano, em um artigo, coloca a importância de que a sociedade se organize para exigir do governo benefícios sociais, programas de informação e prevenção às doenças. Este autor faz uma revisão na história e conclui que tudo que se conseguiu junto ao governo, foi fruto do trabalho de organizações e movimentos de resistências que exigiam a tomada de providências com relação aos segmentos sociais prejudicados. O autor enfatiza a importância da participação social criando e exigindo do Governo medidas de contenção e tratamento da doença com relação à AIDS.
Nesta sociedade desorganizada, em relação à Síndrome, surgiram as organizações não-governamentais, as ONGs, criadas para cobrar junto ao governo e autoridades legais, as medidas necessárias em relação ao tratamento e prevenção da doença, bem como proteger, dar apoio e solidariedade ao paciente.
Podemos concluir que o paciente de AIDS, provoca raiva, desprezo, medo e pouco desejo de ajuda por parte da sociedade, o que acarreta nele, sentimentos de ansiedade, o que dificulta as possibilidades de intervenções sociais e psicológicas.
6. Aids e saúde pública
A ciência tem progredido muito desde o século XVIII, principalmente no que diz respeito à ciência médica. A descoberta dos antibióticos, levou a uma crença de que as doenças infecciosas e as epidemias, já não constituíam ameaças para a humanidade, cujo comportamento deixa de ser "fantasiosamente" desvinculado dos riscos de morrer ou adoecer, pois acreditava-se poder recorrer sempre a medicina, que possuía uma terapia infalível para torna-lo saudável.
Assim, muitas doenças ainda matam, mas na maioria dos casos, a ameaça não é concretizada por inexistência de tratamento, mas por falta de acesso aos serviços de saúde, visto que os avanços da medicina, não foram acompanhados pela melhoria dos níveis de vida e saúde da população. Hoje, a alguns anos do século XXI, os problemas principais da saúde não foram resolvidos, nem mesmo nos países mais industrializados.
O surgimento da AIDS como epidemia, trouxe novos problemas à saúde publica. Foi necessário rever os poderes e limites da medicina, que há muito não se defrontava com uma doença que ameaçasse toda a humanidade. Esforços não tem sido medidos para encontrar a cura da AIDS. Quinze anos já se passaram desde o primeiro caso registrado e um extenso caminho foi percorrido, com pesquisadores do mundo inteiro tentando contribuir para a cura.
As formas terapêuticas existentes para combater as doenças acometidas pelos pacientes tem sido utilizadas, mas ainda não há cura para a doença: a medicina retarda um fim que todos sabem ser inevitável.
Nos pacientes com AIDS, penso ser possível verificar o processo da doença como um problema social, no qual as origens e desenvolvimentos de determinadas patologias, dependem dos grupos sociais. A analise da doença a partir do nível social, reformula, sem excluir os outros níveis, demonstrando que os processos sociais determinam a saúde coletiva.
Como a AIDS é uma epidemia que coloca em risco a saúde coletiva, tornou-se então, um problema moral e agudo para qualquer administração da saúde publica. Os caminhos percorridos pela ciência na procura da cura,. bem como as campanhas de prevenção precisam ser analisadas sob a luz da saúde publica.
Num primeiro momento há indicações que a saúde publica pretende enquadrar os profissionais da área em padrões exigidos pela organização de uma produção cada vez maior. No entanto, qualquer programa a ser implementado na rede publica exige reflexão mais profunda e elaborada, que com o encerramento prematuro do trabalho, infelizmente não foi possível realizar.
7. Aids e medicina
A AIDS pode ser comparada às epidemias do passado sobretudo no que diz respeito ao empenho da ciência médica e no terror social.
"Doença em que a morte e a vida se acham tão estranhamente fundidas que a morte toma o bulho e a cor da vida, e a vida toma a forma sombria e a terrível da morte; doença que a medicina nunca curou, que a saúde nunca repeliu". Desta forma, Susan Sontag (1984) compara a AIDS a doenças como a lepra, doença maldita, intimamente relacionada à morte. O leproso representava o perigo, a solidão, era digno da piedade dada aos mortos. Parece ser com esses sentimentos que o HIV + convive. Como se tivesse comprado uma passagem só de ida para uma viagem sem retorno ao mundo dos mortos.
Esta comparação social não encontra similaridades clínicas, pois a AIDS evolui de modo distinto à hanseníase, embora seja vista como algo que desestrutura o sujeito, colocando em risco sua integridade física e mental. Tais sentimentos geram uma ansiedade que o paciente julga poder ser aliviada mediante respostas e certezas médicas. Mas na AIDS, ainda não temos conclusões definitivas, nem mesmo respostas para todas as perguntas, o que em alguns casos torna difícil a relação médico-paciente.
Foi impossível chegar a uma conclusão sobre a relação médico-paciente, visto que das instituições a serem pesquisadas, só duas tiveram os dados colhidos integralmente, o que me impede de modo ético a tomá-los como resultados. Penso, então, ser útil apontar algumas particularidades encontradas na revisão bibliográfica.
Os pacientes em geral, parecem classificar a forma como o diagnóstico é feito de forma satisfatória, embora em alguns casos seja possível anotar sérias queixas sobre a relação médica.
Numa análise distanciada, talvez realmente se possa classificar o atendimento como se possa classificar o atendimento como "satisfatório", mas, nos chama a atenção, a ausência de conteúdo emocional nas respostas dos pacientes.
Os doentes sabem que, neste momento, a medicina não pode fazer muito pelo seu problema, mas em meio à sua angústia, depositam no médico todas as suas esperanças, "acreditando" ser o médico onipotente e capaz de curá-lo. A crença na onipotência médica faz com que o paciente se aproxime do profissional, facilitando um vínculo transferencial.
Em alguns casos, o profissional parece ter dificuldade em lidar com a angústia que a questão da morte lhes provoca. Preparados supostamente para a cura, permitir a morte parece muito difícil, mesmo que tal fim seja o melhor para o alívio.
Em sua tese de doutorado, Souza (1991) escreve: "Lembro-me de pacientes examinados durante os anos de minha carreira. A muitos não consegui oferecer o afeto por eles esperado. Neguei afeto. Não percebi o que estava acontecendo. Não entendia a linguagem que usavam. Não havia lógica no que diziam. Se os tivesse ouvido de outra forma, teria havido sim, sua outra lógica, outro sentido ..." Minha geração de médicos preocupada prioritariamente com a técnica, esqueceu-se do lado humano, aliás não ensinado adequadamente no curso de medicina. E é preciso adquiri-lo. "Não no sentido da erudição ou da adaptação da tecnologia ou ainda de humanitarismo ou filantropia, mas sim do humano que existe em nós."
Se em alguns casos, os dados confirmam que o médico na vida real é educado na falsa crença de curas onipotentes, por outro lado, médicos que ao se defrontarem com pacientes gravemente enfermos, se sentem desorientados e investem na compreensão de sua própria mortalidade, encarando a morte de um paciente não como um fracasso pessoal, mas como contingência profissional. Enquanto os primeiros não conversam, mas interrogam, os segundos escutam, trabalhando sua ansiedade manifesta na sua relação com o paciente, procurando respostas possíveis para suas perguntas.
O medo a incerteza e as preocupações éticas são alguns dos problemas enfrentados pelos profissionais que quando assumem para si seus limites e poderes, se tornam capazes de sustentar a clínica de AIDS, com suas incertezas, bem como sua posição de ser humano mortal e falível.
8. Estágios Clínicos
A AIDS é uma doença de etiologia viral, provocada por retrovírus que após se instalar no interior dos linfócitos humanos, causam alterações lentas e graves nas células imunológicas, o que torna o doente vulnerável a uma infinidade de patologias, infecções oportunistas e neoplasias.
Diferenciamos rigorosamente os termos HIV e AIDS, o que na linguagem ao senso comum são sinônimos. HIV se refere ao vírus da Imunodeficiência humana, enquanto AIDS se refere à síndrome que este vírus provoca.
Ao entrar em contato com o vírus, o indivíduo pode se contaminar, passando a ser portador desse vírus, por um tempo que é variável. Após uma infecção inicial, denominada aguda, o portador passa por um tempo variável sem que o problema de saúde relacionado ao vírus. Esta fase de infecção assintomática é muito perigosa, pois não sabendo que está infectado, o portador passa a ser um agente contaminante.
Segue a classificação dos Centers for Disease Control (CDC), para os estágios da infecção pelo HIV:
1) soroconversão ou infecção aguda
2) infecção assintomática
3) Linfadenopatia generalizada persistente
4)
a - doença constitucional: perda de peso, febre, diarréia
b - doença neurológica
c - infecções secundárias (incluindo infecções da deficiência da AIDS e outras infecções)
d - canceres secundários, incluindo os da deficiência da AIDS
e - outras condições
O CDC define a AIDS como uma doença de diagnóstico confiável de uma deficiência de imunidade celular ocorrendo em indivíduo sem causa evidente de deficiência imunológica ou outra causa de resistência reduzida a esta doença. Este termo reservado para pessoas com no mínimo uma condição clínica potencialmente fatal ligada à imunodepressão causada pelo HIV propriamente dito está compreendido a partir do estágio 4c. São infecções e doenças oportunistas consideradas específicas como indicativas da AIDS:
a) Infecções protozoárias:
Pneumonia por Pneumocystis carinii.
Encefalite por Toxoplasma gondii ou infecção disseminada excluindo infecçào congenita.
Enterite crônica (mais de um mês) por Cryptosporidium.
Herpes simples mucocutaneo crônico (mais de um mês).
Infecção histologicamente evidente por citomegalovirus de qualquer órgão, exceto o fígado e os gânglios linfáticos.
Leucoencefalopatia multifacial progressiva.
b) Infecções fúngicas:
Esofagite por Cândida.
Meningite criptococica ou infecção disseminada.
Infecção bacteriana disseminada ( e não pulmonar e linfática).
Sarcoma de Kaposi.
Linfoma cerebral primário (limitado ao cérebro).
Dentre as doenças mais comuns, envolvendo o sistema gastrointestinal, podemos citar candidiase, afta oral, salmonelose, criptosporiodiose, linfoma, clamidia, gonococus, carcinomacloacogenico.
A testagem sorológica - Após a infecção por HIV, os anticorpos ao vírus desenvolvem-se na maioria das pessoas em 6 a 12 semanas, embora a soroconversão possa levar de 6 a 12 meses. Durante este período, os testes não detectam a presença do vírus no organismo, já que os anticorpos não aparecem. Desta forma, pode ser que um sujeito infectado e ainda neste período, obtenha resultados negativos nos testes, embora tenha o vírus e possa transmiti-lo.
Os anticorpos produzidos pelo sistema imunológico podem ser detectados por dois testes sericos: o ensaio imunossorvente ligado à enzima (ELISA) e pela imunotintura. O ELISA é usado como o primeiro procedimento de triagem, e um único resultado positivo no ELISA deve ser acompanhado por uma segunda testagem.
O ELISA, não é caro, em si, e pode ser considerado excelente, pois tem sensibilidade de 99,6% e especificidade de 99,2% com os métodos mais aperfeicoados.
Após os dois testes ELISA de resultado positivo, é realizada uma imunotintura, para a confirmação final da soroconversão para o HIV. Este teste é o WESTERNBLOT, mais caro que o ELISA, ele confirma ou não o diagnostico inicial.
Pode-se viver em média 7 a 10 anos sem sintomas, mas existem portadores assintomáticos do HIV com 15 anos ou mais sem apresentar sintomas. Depois de manifestada a doença, de acordo com os critérios citados acima, pode se viver em media, 6 anos. Nesta fase a doença já está em estagio avançado e com o auxilio de medicamentos se consegue aumentar a vida do paciente de 6 meses a um ano para cerca de 3 ou 4 anos.
Estão surgindo vários tratamentos que tendem a auxiliar no combate as doenças "oportunistas" e reforçar a imunidade do organismo. Estes procedimentos vêm auxiliando a prolongar a expectativa de vida do paciente, de forma que hoje já se pode falar numa doença tratável, embora não curável, segundo especialistas americanos.
O auxilio desses medicamentos, no tratamento, vai alem do auxilio biológico, pois os pacientes demonstram mais esperanças e mais dispostos a continuar lutando, mantendo a vontade de viver. Um tratamento que alivie os sintomas, que torne o organismo mais resistente, aumentando a expectativa de vida do doente, possibilita que este saia da apatia e da depressão.
Epidemiologia e transmissão: Estima-se que 1 a 1,5 milhões de americanos, 500 mil europeus e possivelmente 10 milhões de pessoas na África estão infectados por HIV.
Após a infecção pelo vírus, o tempo médio para o desenvolvimento da doença é de 8 anos, sendo que o tempo médio de sobrevida é de 18 anos meses, tendo aumentado com o uso de vários tratamentos antivirais.
Aproximadamente 82000 casos foram registrados em dezembro de 1988 nos USA e aproximadamente 56% dos pacientes morreram, sendo 62% homossexuais e bissexuais, seguidos dos 27% de drogaditos e mulheres, não usuárias de drogas e heterossexuais, com 4% dos dados.
Podem estar infectadas, segundo estimativas, 20 a 25% dos homossexuais e 50 a 65% dos toxicômanos. O HIV está presente no sangue, sêmen, secreções cervicais e vaginais, e em menor grau na saliva, lágrimas, leite materno e liquido cefaloraquidiano. A transmissão do HIV ocorre com maior freqüência através do contato sexual, e de sangue contaminado. As atividades sexuais desprotegidas, são as formas mais comuns de se transmitir o vírus.
As relações homossexuais foram durante algum tempo, o caminho mais comum para se pensar a contaminação; hoje, sabe-se que as relações heterossexuais também transmitem AIDS, e que há casos de mulheres que contaminam os parceiros, o que não se pensava a alguns anos atrás.
A contaminação por sangue contaminado ocorre com freqüência quando viciados em drogas intravenosas, compartilham agulhas hipodérmicas, sem técnicas adequadas de esterilização, mas também quando são feitas transfusões sangüíneas, transplantes de órgãos e inseminações artificiais sem testes de sorologia para o vírus.
Também pode ocorrer infecção intra-uterina, sendo a mãe portadora do vírus, e também através do leite materno. Não foram constatadas evidencias de que o HIV possa ser contraído através dos contatos sociais tais como cumprimentar, conversar e tocar pessoas infectadas, embora o contato direto ou indireto com os fluidos corporais já citados, devam ser evitados.
9. Estágios Psicológicos
Nichols (1985), Abrams et al (1986), Ferreira e Abreu (1988) descrevem estágios pelos quais passa o paciente soropositivo semelhantemente aos estágios de pacientes de câncer, descritos por Kubler-Ross (1969) e Marsillac (198 ). Padrões de reações como: dúvida, quando o paciente, sob impacto do diagnóstico, está descrente da realidade e do futuro. A seguir, a negação, caracterizada pela tendência a esquecer ou desconsiderar o diagnóstico. No terceiro estágio, os pacientes, ansiosos e incertos quanto ao desenvolvimento da doença, teme a reação dos outros frente ao diagnóstico, apresentam desamparo, raiva e luto antecipatório. No quarto estágio, os pacientes se preparam para a morte, de acordo com a personalidade de cada um. "5
Na fase inicial, se alternam momentos de negação do diagnóstico com intensa ansiedade. Na segunda fase, encontramos sentimentos de culpa, raiva e autopiedade. No estágio seguinte, fase de aceitação, os pacientes aprendem a aceitar limitações impostas pela doença, com mais razão que emoção. A quarta fase caracterizada por uma situação de tristeza é o momento que precede a fase final, na qual o paciente se prepara para a morte.
Percebe-se que o medo de ficar totalmente dependente dos outros se sobrepõe ao medo de morrer, chegando muitos pacientes a preferir o suicídio. Os dados obtidos com as entrevistas, indicam que desde o diagnóstico de HIV + até o seu óbito, o paciente passa por distintas vivências psicológicas, exigindo diferentes níveis de atenção. O primeiro momento, ligado à reação frente ao diagnóstico, mostra que o paciente está exposto a uma grande dose de stress e depressão, independentemente de possuir estrutura para suportar a crise, correndo o risco de cometer suicídio outro ato que coloque em risco a si mesmo e aos outros. No contexto psicológico, penso ser necessário uma postura de suporte para que o paciente se organize e elabore a aceitação do diagnóstico e venha a aderir ao tratamento. Após a elaboração do diagnóstico, os pacientes manifestam preocupação com as reações dos outros frente à sua doença com seu comportamento dali para frente. Neste momento surge a necessidade de se informar sobre as formas de transmissão, riscos de vida e detalhes sobre a doença. Dentre os pacientes, os homossexuais e drogaditos, parecem apresentar sentimentos de culpa e auto-censura que precisam ser abordados e explorados, cuidadosamente, pois implicam em comportamentos recriminados socialmente. Os pacientes na fase sintomática - AIDS propriamente dita, necessitam de cuidados diferenciados, pois apresentam deterioração do sistema imunológico, com claras manifestações em doenças que exigem internações constantes e debilitação física, que levam o paciente à sentimentos de pessimismo.
Sem poder negar a doença que ele vê agravar diariamente, o paciente parece tentar elaborar as perdas que vão ocorrendo e nesse momento, o profissional deve possibilitar que os sentimentos sejam expressos. Esta abordagem, me parece ser o último nível de atendimento, nos pacientes terminais. Neste estágio, o atendimento deve visar o preparo da família para a morte, assegurando ao paciente que os seus desejos serão satisfeitos e que ele não será abandonado.
Para que o psicólogo possa efetuar os atendimentos ao paciente e familiares penso ser necessário que estabeleça vínculo transferencial, que é suporte de um atendimento mais e com perspectivas de ser bem sucedido.
10. Atendimento Psicológico
Por ser uma doença estigmatizada, com peculiaridades que a distinguem de outras doenças graves e letais, como as questões relativas ao sexo e às drogas, o atendimento aos pacientes devem, segundo alguns autores ser particularizado.
Nos ambulatórios os pacientes que farão o exame são recebidos pelo serviço de psicologia, enquanto no hospital, o primeiro atendimento é médico. Após a anamnese e os exames de praxe, os pacientes têm acompanhamento psicológico se quiserem. Em caso do paciente estar em hospital geral, o encaminhamento é feito através de interconsulta, dependendo muitas vezes da postura do médico diante dos problemas psicológicos do paciente.
Em algumas instituições da saúde publica, a permanência do paciente é a menor possível, pois os leitos são poucos e a demanda é grande, não havendo tempo para um acompanhamento psicológico. Parte destas instituições, os pacientes têm acompanhamento psicológico, e quando tem alta, voltam semanalmente para o atendimento psicológico, que nestes casos, visam permitir aos pacientes lidar com as angustias relacionadas com a doença.
A ansiedade nesses pacientes constitui, por si mesma, um dos sintomas mais importantes, seja no memento do diagnóstico como ao longo da evolução da doença. Cada distúrbio corporal ou cada noiva internação são vividos como um avanço da AIDS e suscitam imediatamente a ansiedade, para após aparecerem outros mecanismos protetores do ego".
O papel dos profissionais da saúde é importantíssimo, pois muitas coisas podem ser atenuadas e corrigidas pela relação madura e franca entre eles e o enfermo, por isso é necessário uma preparação específica do profissional da saúde, para que a equipe, possa atuar mais integralmente e com maior satisfação, alargando seus limites e efetuando mudanças na abordagem a pacientes com AIDS, que visem melhorar sua qualidade de vida, para que ele não sofra mais com o pensar sobre a doença do que com a doença em si. É importante uma visão do tipo de doente internado, quais os objetivos ao lidar com ele e a disponibilidade de tempo para um trabalho tão amplo e individual. É preciso iniciar uma ligação com o paciente, verificar como este poderia viver melhor dentro dos limites impostos pala doença e tratar os sintomas à medida que surgem, tomando-se a coragem necessária à esta ação. O trabalho junto aos doentes objetiva, um tratamento integral, em que se investe na relação com os indivíduos. Busca-se facilitar o entendimento da situação, propiciar melhor evolução clínica, estimular integração social, bem como desenvolver na equipe a capacidade de reconhecer e lidar com as reações emocionais e os desafios.
Autores como Ferreira e Abreu5, que classificam uma seqüência de quatro estágios diante da AIDS, nos quais os pacientes apresentam semelhantemente a pacientes oncológicos, falam que a princípio, os pacientes precisam de um relacionamento com o médico, baseado em franqueza e confiança e de constituição de grupos que incluam familiares, para à seguir, receberem atendimento psicoterápico individual.
Mas o trabalho do psicólogo no hospital, difere do atendimento em consultório, pois implica, segundo certos autores, em dificuldades derivadas do contexto hospitalar: "o atendimento é feito no leito, sem a privacidade desejável, e está sujeito às mais diversas interrupções. Ao contrário das pratica de consultório, no hospital não é o paciente que procura o psicólogo, é o psicólogo que vai ao paciente oferecer seus serviços. Também nem sempre consegue fazer seu trabalho de forma coordenada com o médico que o acompanha e com o pessoal de enfermagem, Enfim, este, deve encarar o fato de que seus serviços não são a razão de ser da internação do paciente e, via de regra, constitui apenas uma demanda secundaria do paciente. Alem disso, o modelo clinico aprendido na formação acadêmica supõe condições muito diversas daquela que o psicólogo encontra no hospital"4 .
E, devido as peculiaridades dos pacientes que apresentam reações emocionais diversas e variadas, entre as quais a depressão e ansiedade e a negação do diagnóstico que, de acordo com pesquisa realizada no hospital Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro2, pode acarretar graves repercussões tanto para o paciente quanto para o meio que o cerca, pois o paciente pode adotar uma atitude de arrogância, desprezo e indiferença com relação à enfermidade e as recomendações medicas, e até mesmo desenvolver quadros psicóticos, já que estes podem ocorrer secundariamente a um comprometimento do sistema nervoso central, o profissional deve estar atento para auxiliar o paciente a se reorganizar diante da grave situação pela qual está passando6 . Para isso, deve centralizar-se no que for mais emergente, possibilitando que o paciente possa reestruturar suas defesas.
Com esses pacientes não dispomos do tempo que dedicamos a outros. Em muitos casos, as soluções têm que ser rápidas, e por isso a postura do profissional deve ser mais ativa. É fundamental que o profissional escute o paciente e permita que ele expresse seus afetos, não esquecendo, porem que seu objetivo é restabelecer sua capacidades interativas. A identificação projetiva é um mecanismo de defesa bastante usado por esses pacientes, o que lhes permite perceber através da reintrojeção se o psicoterapeuta é capaz de suportar os objetos persecutórios de seu mundo interno"3 .
O atendimento deve ser feito levando em consideração a história psiquiátrica do paciente, a apresentação de quadro psicopatologias graves durante o tratamento clínico, pois é de extrema importância os fatos que antecedem a eclosão da doença, em pacientes que estão desenvolvendo a doença, como as reações diante do diagnóstico, relação familiar, doenças anteriores e os aspectos atuais da vida. O paciente deve ser acompanhado em casos de internação e de atendimento ambulatorial.
O tratamento medicamentoso, se aliado ao tratamento psicológico, poderá repercutir em uma melhor qualidade de vida dos pacientes infectados, e se o clínico deste paciente, acompanhá-lo durante todo o tratamento, este paciente, terá diminuído o seu sentimento de abandono e solidão. Pacientes que tiveram apoio, segundo alguns profissionais entrevistados, tem uma aderência maior ao tratamento, apresentando menor tempo de internação. MacDonald(1990), afirma que os pacientes portadores do HIV bem assistidos a nível físico e psicológico, dentro de um ambiente estável e integrador, tendem a diminuir o numero de internações.
Ainda que muitos neguem a importância de um acompanhamento psicológico na melhoria do quadro clinico do paciente, sua importância de um acompanhamento psicológico na melhoria do quadro clinico do paciente, sua importância não fica diminuída, mostrando-se importante para que o paciente tenha uma completa aderência ao tratamento. Um trabalho a nível psíquico poderá contribuir para que o paciente lide melhor com a doença, os estigmas atribuídos à doença e a ele, enquanto doente, as perdas e sentimento de culpa, bem como consiga encontrar uma forma mais digna e menos dolorosa de enfrentar a situação.
Com tanta responsabilidade e dificuldades, é imprescindível, portanto, um trabalho com outros profissionais que atendem o paciente, particularmente com médico clinico que o acompanha.
O medo e preconceito são inerentes ao homem e, em crises como esta, é preciso reavaliar tudo de novo, tentando juntar os conhecimentos adquiridos nas lutas "dos outros"; alguns preconceitos podem já ter sido vencidos por esses outros e não podemos lutar contra a AIDS fazendo de conta que não somos medrosos e preconceituosos.
Finalmente, "seria o caso de questionar a necessidade de uma preparação especifica do psicólogo para o trabalho com pacientes com AIDS. Mas não é a AIDS que reivindica um atendimento especial: somos nós que descobrimos, ao encarar a AIDS, mais alguns de nossos limites. E são eles que, conhecendo-os, podemos tentar alargar"3 .
Trabalhando Com Grupos - O trabalho em grupo possibilita que os pacientes possam compartilhar experiências semelhantes, reunir idéias, sentimentos, progressos e vitorias. Permite que os pacientes participem, se sintam apoiados e integrados.
O momento do atendimento é, muitas vezes , o único momento onde é possível falar da dor, do sofrimento psíquico a que estão sendo submetidos, da dor, da discriminação, do preconceito, da rejeição, do medo da morte, do problema familiar. Outros profissionais, mesmo bem intencionados, não sabem, muitas vezes, lidar com os conteúdos que fazem emergir os medos tanto dos pacientes, quanto dos próprios profissionais, frente a dura realidade que a AIDS nos mostra.
Desta forma, não só o atendimento ao paciente coloca-se como essencial para se propiciar ao sujeito uma melhor adaptação neste momento, como também se faz importante na Preparação da equipe para melhor atender aos casos, lidando também com suas angustias, medos e preconceitos.
Trabalho Em Equipe Interdisciplinar - Os médicos, com freqüência, são vistos como relutantes em compartilhar o cuidado do doente com profissionais de outras áreas. Nos hospitais investigados, uma porcentagem dos dados obtidos parece comprovar tal afirmação, embora outra porcentagem não indique que tal comportamento se mantenha.
A maioria dos médicos de doenças infecciosas não colocou quais os obstáculos à participação de outros profissionais. Ao que tudo indica, a AIDS facilitou o trabalho em equipe, pois muitos profissionais parecem necessitar da socialização das dificuldades de tratamento impostas pela doença, com auxílio de outros profissionais.
Penso ser necessário especificar sobre a importância do relacionamento com outros profissionais, do ponto de vista do psicológico. Creio que o psicólogo precisa obter informações sobre a situação física do paciente; informações que no hospital muitas vezes chega ao seu conhecimento antes do primeiro contato com o mesmo. Com o saber de que o atendimento psicológico não é a razão pela qual o paciente se encontra internado, o psicólogo precisa ter para si que é preciso recorrer ao médico, que é quem vai dizer, com sua autoridade de médico, e com forma própria de fazê-lo, qual é a situação real.
Penso ser necessário e importante, o psicólogo atuar em maior relacionamento com o médico, além daquele comum e usual. O entrosamento do psicólogo com o assistente social e terapeuta ocupacional , é também necessário, pois o serviço social permite ao psicólogo o conhecimento das condições familiares e dos grupos em que vive o cliente, permitindo maior conhecimento dos fatores que atuam sobre ele. As atividades da terapia ocupacional constituem parte importante no processo do paciente no hospital, pois permitem descargas emocionais, possibilitando diminuição das tensões, trazendo alívio, pois fazem com que ele se sinta mais seguro, aumentando a sua autovalorização, dando-lhe a sensação de que é útil, de que ele é merecedor de considerações como os demais. Mas o atendimento da terapia ocupacional deve ser trabalhada de forma cuidadosa, pois com o avanço da doença o paciente terá suas capacidades diminuídas e o psicólogo pode prestar e obter informações junto a terapia ocupacional, sobre as condições e possibilidades de trabalho do cliente, que trabalha estará sendo observado em suas realizações práticas.
Em sua relação com a fisioterapia, o psicólogo pode se manter a par de cuidados fisioterápicos que poderão resolver muitos problemas de tensão exagerada e necessidade de descargas emocionais.
Um trabalho, com a equipe, pode possibilitar aos profissionais, sobretudo aos menos experientes, uma maior adequação de suas condutas, atingindo mais rapidamente o ponto de equilíbrio necessário a uma boa relação com o paciente. Reuniões e discussões em grupo podem levar a uma visão mais global do paciente, do ponto de vista clinico, psíquico e social.
As frustrações freqüentes no lidar com uma alta incidência de morte, fazem-se acompanhar de desanimo e sentimentos de impotência, em muitos profissionais, movidos pelo desejo de curar, já que esta doença é até o presente momento incurável. A elaboração do processo, possibilita que o profissional possa ultrapassar esta fase, e passe a perceber que diminuir o sofrimento dos pacientes, permanecer ao seu lado é algo de extrema importância e faz parte desse primeiro processo, enquanto a cura pela vacina ainda não é possível.
Uma discussão com a equipe pode estimular a solidariedade e a coesão grupal, diminuindo a ansiedade e promovendo a saúde mental da própria equipe. Pode também possibilitar o desenvolvimento das potencialidades de cada um e aperfeiçoar a comunicação com relação ao paciente e seus familiares.
É preciso considerar que o profissional também se afeta com os dramas existenciais dos quais participa e em que se envolve. A mobilização de toda equipe diante de determinados quadros, do acaso, de acidentes traumáticos é evidente e coloca todos diante da questão de sua própria morte e daqueles a quem quer bem. Constitui um trabalho difícil, onde há falta de certezas, falta de verdades prontas, de garantias.
Uma médica diz: "... é preciso isolar dentro de si, a emoção da ação medica e tratar o paciente e não o indivíduo, a doença e não o doente como um todo. Para resistir a esse constante desgaste afetivo-emocional e dar uma assistência global ao paciente e sua família é necessário, a participação de uma equipe multi-profissiohal, que realize o atendimento psicoterapêutico.
11. Últimas considerações
Não me sinto à vontade para falar de conclusões, nem mesmo para dizer que os resultados apresentados são resultados finais, visto que o trabalho foi interrompido prematuramente, num momento em que as coletas de dados, estava sendo feita.
Há em Belo Horizonte, 5 hospitais da saúde pública e 3 ambulatórios, com serviços especiais de atendimento a pacientes de AIDS, além de 6 instituições não governamentais que prestam serviços ligados à saúde sexual, doenças sexualmente transmissíveis e AIDS . Consta também dados de profissionais da área de saúde, pessoas consideradas na área médica e de saúde mental, que estão realizando trabalhos com doentes de AIDS, sendo que estes trabalhos são responsáveis por melhoras significativas na qualidade de vida destes pacientes, bem como na prevenção e estudos científicos na área de saúde física e mental.
Infelizmente, não poderei fazer uma análise destes trabalhos, como foi delimitado no projeto inicial, devido ao seu encerramento antecipado, de modo que por haver coletado dados em menos de 50% das instituições e haver entrevistado também, menos de 50% de profissionais da saúde, que atendem aos pacientes de AIDS em Belo Horizonte, preferi indicar alguns resultados da pesquisa nos tópicos acima, pois não são dados finais e portanto, não me sinto à vontade para vinculá-los aos serviços onde estavam sendo coletados, já que não são garantias de traduzir a realidade de tais instituições. Faço a seguir um breve comentário sobre a importância dos atendimentos psicológicos aos pacientes de AIDS e aos profissionais que os atendem:
Os pacientes com AIDS são privados de tratamento apropriado ou forçados a permanecer em hospitais porque não têm casa para voltar devido à discriminação familiar7 , a solidão, aliada ao pânico e à culpabilidade, expressa-se através de afirmações preconceituosas. Há gente sofrendo: ou porque está com AIDS, ou porque vive as conseqüências da maneira de perceber a AIDS que lhe foi instituída. Pânico, repressão, inibições, são algumas expressões que configuram a institucionalização da AIDS. Se a morte inspira medo, mais ainda o faz o sofrimento inútil do qual pode vir acompanhada - o processo da doença, daí, a função do profissional da saúde não ser só melhorar a qualidade de vida do paciente com AIDS, ele precisa estar apto, também para melhorar a qualidade de morte de seu paciente.
Os primeiros contatos com pacientes de AIDS e com uma equipe de saúde em uma das instituições, me mostrou, o quanto lidar com estes pacientes exige um grande desprendimento, capacidade de suportar frustrações e dor, a dor presente no choque entre vida e morte, que se passa diariamente nas reuniões de grupo, e nas corridas de leito.
Médicos experientes, ficam perplexos diante dos pacientes, frente ao número, extensão e formas de infecções apresentadas. O temor ao contágio e os preconceitos em relação à enfermidade, presente entre alguns profissionais, está tão presente, que muitos se negam a fazer biópsias, autopsias e todo o tipo de exames. Enquanto no ambulatório os pacientes tem inicialmente contato com a equipe de psicologia que os encaminha e acompanha durante todo o processo de atendimento ambulatorial, o paciente internado, não conta com um atendimento psicológico, a não ser que a equipe de saúde o solicite ou que ele mesmo expresse este desejo, o que devido aos transtornos psicológicos e psiquiátricos, nem sempre é possível.
Os membros da equipe de saúde, tem procurado discutir as possíveis dificuldades que talvez dificultem os atendimentos. É uma abordagem desafiadora para os profissionais envolvidos neste trabalho, já que geralmente rompem os limites assistenciais formais, ampliando-se para discussões de problemas que tanto podem pertencer à área institucional, como às dificuldades da relação equipe-paciente.
Na minha opinião, estas reuniões, estão possibilitando que os profissionais, principalmente os menos experientes, consigam adequar sua conduta frente a situações tão difíceis de atingir mais rapidamente, o ponto de equilíbrio necessário a uma boa relação com o paciente.
Entre os internos e residentes, as frustrações freqüentes no lidar com uma alta incidência de morte fazem-se acompanhar muitas vezes de desanimo e sentimentos de impotência.
O grupo de encontro tem possibilitado a seus membros o desenvolvimento das potencialidades de cada um e o aperfeiçoamento da capacidade de comunicação com os pacientes e embora não tenha pretensão terapêutica, ao estimular a coesão e a solidariedade grupal, na verdade tem diminuído a ansiedade e promovido a saúde mental da própria equipe.
Penso que esta equipe está trabalhando para lidar com a coexistência entre Vida e morte que se continuam, numa permanente dialética, como está na dualidade pulsional de Freud. Eles já sabem que há várias formas de morrer, assim como há vários modos de viver e, "Trabalhar desenvolvendo a consciência de alteridade é também um caminho obrigatório no treinamento de profissionais de saúde e educação ou pesquisadores de AIDS. Trabalhar preconceitos, medos e o respeito à diferença é urgente e garante maior eficácia em qualquer intervenção preventiva que vá alem da simples distribuição de informação. É se aproximar respeitosamente do outro lado, ser capaz de perceber o outro como parte possível de nós mesmos. É compreender a universalidade de ser humano e ao mesmo tempo sua variabilidade. É tomar contato cuidadoso com nossos próprios lados não vividos, para não se entrar em pânico com alterações do caminho"10 .
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Este relatório é produto de um ano de trabalho em instituições de pacientes de AIDS. A pergunta sobre as possibilidades e limitações do psicólogo no atendimento com pacientes de AIDS, nasceu durante o curso de antropologia ministrado pela professora Carla, durante o 3o. período. Foi feita uma entrevista com um paciente soropositivo, que era militante do GAPA-MG.
Este paciente é um homossexual que na época tinha 40anos, era divorciado de uma mulher com quem tivera uma filha, de 19 anos. Contraíra a doença em saunas gays, na década de 80, logo após assumir para a esposa sua condição. Separaram-se e ele manteve vários relacionamentos homossexuais.
As propagandas divulgando a doença e esclarecendo sobre o comportamento de risco, fez este paciente pensar que poderia estar contaminado. Procurou um médico e fez o exame. Após o resultado positivo, procurou vários outros profissionais, buscando falsear o resultado, inutilmente. Entra em depressão e é aposentado pela empresa multinacional, onde ocupava um cargo de confiança. Diz que havia desistido de viver, mas não tinha forças nem para se matar. Procura um analista, elabora suas questões e dois anos após o resultado de seu exame, funda o grupo Viver e o Gapa-MG. Militante das questões que envolvem homossexualismo e AIDS, este paciente encontrou no trabalho de ajuda a outros doentes e soropositivos, um motivo para recomeçar sua vida.
"Quem vocês acham que vai morrer primeiro, eu ou você? Eu tenho AIDS, mas você pode sair daqui e ser atropelada por um caminhão. Faz alguma diferença?" Esta pergunta que ele me dirigiu durante a entrevista, foi fundamental para o direcionamento da minha vida acadêmica e do meu processo de análise. Iniciei algum tempo depois uma pesquisa pelo CNPq sobre o atendimento a pacientes de AIDS. Busquei no estudo da teoria psicanalítica bases teóricas para meus questionamentos: Quais as possibilidades de análise de um paciente de AIDS? Como fazer a inserção desta escuta no hospital, ambiente tão peculiar para o atendimento individual e de urgência?
Durante 360 dias, incluindo fins de semana entrevistei profissionais, participei de grupos e conduzi em estágio de práxis psicanalítica e na área hospitalar, a análise de pacientes de AIDS em diferentes estágios. Tal trabalho me obrigou a uma teorização sustentada por um exaustivo levantamento bibliográfico.
Acho imprescindível uma revisão teórica, para introduzir logo após, as possibilidades de um atendimento psicológico. Como o trabalho proposto na clínica de AIDS foi interrompido prematuramente, tentarei não dar um ar de trabalho terminado, pois o trabalho em hospital é interminável e precisa sempre ser revisto e teorizado. Não é possível escolher um caso isolado, todos foram singulares e especiais. Mas sem dúvida a clínica de AIDS é e será sempre um trabalho muito recompensador, apesar de angústias e dúvidas sempre revividas. Nos grupos, encontrei homossexuais em conflito, mulheres revoltadas com uma bissexualidade dos maridos ou amantes e crianças assustadas pelo preconceito social de que eram vítimas e nem ao menos sabiam o porquê.
Vários pacientes morreram no CTI do hospital das Clínicas ou do Eduardo de Menezes durante o trabalho. Outros recusaram o atendimento, e preferiram viver e elaborar a angústia a seu modo. Outros preferiram passar esta fase difícil em companhia de quem amavam, mas muitos abriram o caminho para um estudo e acolhimento profissional especializado. Sem dúvida a questão do atendimento psicológico ainda paira no ar: qual a melhor abordagem para um trabalho psicológico com pacientes de AIDS? Como realizar uma psicanálise em uma situação tão urgente? Quais as formas possíveis: Individual ou atendimento em grupo? Como trabalhar com crianças?
Eu optei pelo trabalho de psicanálise, pensando em uma clínica da pulsão. Mas este trabalho me deu a oportunidade de realizar um estudo sobre os métodos possíveis, e que não devem ser desprezados, mas escutados e se não nos sentirmos capazes de abordar o paciente em tal teoria, saber que nem todos os pacientes precisam escolher a nossa abordagem e há outras que podem acolher e ajudar. Afinal o compromisso ético do psicólogo é com seu cliente, um compromisso de responsabilidade e respeito com tudo que vem do ser humano.
2. Histórico
A AIDS surgiu nos USA, no final da década de 70, embora não se saiba ao certo como iniciou. Várias hipóteses foram inventadas; uma diz que seria uma criação de laboratório, para experimentos que levariam a uma guerra bacteriológica, mas a teoria mais aceita é que seria uma virose originária de macacos africanos que se disseminou entre os seres humanos daquele continente, para depois ser propagada para a América Central e então para a América do Norte por Homossexuais e drogaditos.
Os CDC (Centers for Disease Control) que são órgãos do governo Americano, foram os primeiros a noticiar casos do que viria a ser a epidemia de AIDS, no jornal Morbility and Mortality Weekly Report, em 05 de Julho de 1981. Esta primeira notícia referia-se à incidência de casos graves de uma pneumonia rara, causada porPneumocystis carinii, que tinha acometido jovens homossexuais em Los Angeles. Um mês depois, este mesmo jornal noticiou que 26 homossexuais masculinos jovens, residentes em Nova York e na Califórnia, apresentavam Sarcoma de Kaposi e infecções oportunistas, comuns em homens idosos e com características étnicas específicas como os judeus. Foi percebido que os doentes apresentavam mesmos comportamentos sexuais e de uso de drogas.
A partir de então, esta misteriosa doença que se caracterizou inicialmente por atingir homossexuais masculinos, ficou conhecida como câncer-gay e passou a ser manchete nos jornais do mundo inteiro. Em 1983 Luc Montagner, na França e Robert Gallo nos USA, isolaram o vírus que inicialmente recebeu nomes diferentes, para posteriormente serem unificados como Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).
O nome Síndrome de Imunodeficiência Humana foi escolhido, por ser a AIDS, uma doença que não tem uma manifestação única, mas sim, por se caracterizar pela aparição de várias doenças sucessivas e/ou simultâneas, que podem ter uma ou várias causas comuns.
Esta Síndrome, afeta o sistema imunológico - sistema responsável pelo combate a "agentes nocivos" que invadem o organismo humano, tornando-o deficiente. Nos pacientes com AIDS, o sistema imunológico funciona precariamente e o organismo vê-se exposto a uma multiplicidade de agentes infecciosos, muitos dos quais habitualmente inofensivos, mas que, nessas condições, conseguem atingir um alto índice de nocividade, pois a doença causa uma baixa completa nas defesas orgânicas.
Como o agente infeccioso penetra no organismo através de um contágio feito pelo sangue e esperma que chegam até o sangue do receptor, diz-se que é uma Síndrome adquirida.
O agente causador da AIDS é um retrovírus (HIV), contendo ácido ribonucleico (RNA). Este vírus infecta as células linfáticas e neurais, sendo por isso denominado, linfotrópico e neurotrópico. Nestas células, ele se reproduz, causando a morte celular. O vírus infecta os linfócitos T4, o que leva a uma diminuição do número de macrófagos, as células killers, que matam os agentes invasores, linfócitos assassinos e linfócitos B. Com a função imunológica comprometida, aparecem as infecções oportunistas e neoplasmas específicos, nas pessoas com HIV. Várias síndromes mentais orgânicas podem surgir do comprometimento do sistema nervoso central por HIV, assim como pode haver prejuízos no SNC por infecções oportunistas e neoplasmas cerebrais.
No Brasil, os primeiros casos que hoje são considerados como AIDS ocorreram em 1981, antes do teste existir. Hoje, a incidência de casos se ampliou para outros setores da sociedade, podendo atingir a qualquer um: não se restringindo à classe social, raça ou preferência sexual.
3. Morte: dos gregos à AIDS
Durante muito tempo, a morte foi considerada um fato corriqueiro, um acontecimento familiar, o qual as pessoas, inclusive as crianças pressentiam o momento, presenciando e se comportando receptivamente à idéia. As pessoas desempenhavam papeis que lhe eram esperados: recebendo a morte de forma afetuosa.
Os egípcios tinham um livro dos mortos, onde ensinavam as pessoas a se familiarizarem com a morte, que se tornava um acontecimento desejável e familiar, necessário após o cumprimento do ciclo da vida. Foi no século XI, que a idéia da morte começou a ser modificada. Este momento, que começava a se desenvolver o pensamento individualista, possibilitou que o pensamento cristão tivesse influência. Para os cristãos, as pessoas dormiam e no momento do juízo final, acordariam, ou melhor, "ressuscitariam", para o paraíso e aqueles que não fossem cristãos, os pecadores, receberiam o fogo do inferno, onde queimariam por toda eternidade.
A partir de então, esta misteriosa doença que se caracterizou inicialmente por atingir homossexuais masculinos, ficou conhecida como câncer-gay e passou a ser manchete nos jornais do mundo inteiro. Em 1983 Luc Montagner, na França e Robert Gallo nos USA, isolaram o vírus que inicialmente recebeu nomes diferentes, para posteriormente serem unificados como Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).
O nome Síndrome de Imunodeficiência Humana foi escolhido, por ser a AIDS, uma doença que não tem uma manifestação única, mas sim, por se caracterizar pela aparição de várias doenças sucessivas e/ou simultâneas, que podem ter uma ou várias causas comuns.
Esta Síndrome, afeta o sistema imunológico - sistema responsável pelo combate a "agentes nocivos" que invadem o organismo humano, tornando-o deficiente. Nos pacientes com AIDS, o sistema imunológico funciona precariamente e o organismo vê-se exposto a uma multiplicidade de agentes infecciosos, muitos dos quais habitualmente inofensivos, mas que, nessas condições, conseguem atingir um alto índice de nocividade, pois a doença causa uma baixa completa nas defesas orgânicas.
Como o agente infeccioso penetra no organismo através de um contágio feito pelo sangue e esperma que chegam até o sangue do receptor, diz-se que é uma Síndrome adquirida.
O agente causador da AIDS é um retrovírus (HIV), contendo ácido ribonucleico (RNA). Este vírus infecta as células linfáticas e neurais, sendo por isso denominado, linfotrópico e neurotrópico. Nestas células, ele se reproduz, causando a morte celular. O vírus infecta os linfócitos T4, o que leva a uma diminuição do número de macrófagos, as células killers, que matam os agentes invasores, linfócitos assassinos e linfócitos B. Com a função imunológica comprometida, aparecem as infecções oportunistas e neoplasmas específicos, nas pessoas com HIV. Várias síndromes mentais orgânicas podem surgir do comprometimento do sistema nervoso central por HIV, assim como pode haver prejuízos no SNC por infecções oportunistas e neoplasmas cerebrais.
No Brasil, os primeiros casos que hoje são considerados como AIDS ocorreram em 1981, antes do teste existir. Hoje, a incidência de casos se ampliou para outros setores da sociedade, podendo atingir a qualquer um: não se restringindo à classe social, raça ou preferência sexual.
3. Morte: dos gregos à AIDS
Durante muito tempo, a morte foi considerada um fato corriqueiro, um acontecimento familiar, o qual as pessoas, inclusive as crianças pressentiam o momento, presenciando e se comportando receptivamente à idéia. As pessoas desempenhavam papeis que lhe eram esperados: recebendo a morte de forma afetuosa.
Os egípcios tinham um livro dos mortos, onde ensinavam as pessoas a se familiarizarem com a morte, que se tornava um acontecimento desejável e familiar, necessário após o cumprimento do ciclo da vida. Foi no século XI, que a idéia da morte começou a ser modificada. Este momento, que começava a se desenvolver o pensamento individualista, possibilitou que o pensamento cristão tivesse influência. Para os cristãos, as pessoas dormiam e no momento do juízo final, acordariam, ou melhor, "ressuscitariam", para o paraíso e aqueles que não fossem cristãos, os pecadores, receberiam o fogo do inferno, onde queimariam por toda eternidade.
Esse pensamento, começou a mudar no século XV, com a crença que no momento da própria morte, o indivíduo, cristão ou não, teria uma oportunidade para se arrepender de seus pecados. Tal pensamento torna a salvação dependente do próprio indivíduo, que podia assim, viver fora dos valores religiosos e no momento da morte harmonizar-se com a religião. Até o século XVIII, o indivíduo fazia um testamento, onde incluía condições para a salvação de sua alma. Estas condições, que deviam ser realizadas, perde seu sentido após este século, quando o ritual passa a consistir no culto às sepulturas, desenvolvendo o sentimento de afetividade familiar.
Parece que foi com o aumento dessa afetividade que a idéia de morte tornou-se mais difícil, na cultura ocidental. A família deixa de compartilhar a consciência de morte do indivíduo e, antes pelo contrário, passa a negá-la e a evitá-la. É nesse contexto que a morte em casa passa a ser evitada, passando os familiares a desejar a morte no hospital, a evitar longos velórios e enterros, preferindo a cremação dos corpos.
Enquanto na Antigüidade, a renovação das gerações, possibilitada pela reprodução sexuada, era vista como forma de evolução, hoje em dia, estamos acostumados a lidar com a vida como se a morte não existisse, pelo menos não para nós mesmos. Freud em "Nossa atitude diante da morte", diz: " No fundo ninguém crê em sua própria morte" e mais adiante, "no ICS cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade.
É nesse momento atual, onde a sociedade se vê em dificuldades para aceitar a morte que surgiu a AIDS, trazendo à tona, de modo compulsório questões e tabus que até então eram resguardadas para o sujeito. AIDS e morte tem uma relação estreita. Percebe-se nos atendimentos a pacientes soropositivos que estes relacionam seu futuro com a morte, de forma culpada e preocupados com seu tempo de vida.
Quase todos os pacientes que foram observados, sabiam que seus comportamentos, poderiam levá-los a ter AIDS, ou seja, sabiam que eram responsáveis pela contaminação. O conhecimento de ser um agente ativo, parece fazê-los se sentir responsáveis por sua própria morte, que a eles parece ser prematura.
Retomando as atitudes de se expor às formas de contaminação, penso que elas podem ser entendidas, à luz da teoria psicanalítica, fazendo uma análise do que o sujeito tem de mais primitivo, as pulsões.
4. Pulsão e AIDS
Pensava-se que os números de contaminações diminuiria com o aumento da informação sobre AIDS, mas temos percebido que tal perspectiva não tem se concretizado. As pessoas relatam estar bem informadas sobre as formas de contaminação, mas mesmo assim, relatam correrem riscos, sabendo que correm tal risco, mostrando de modo evidente e até cruel que os comportamentos do sujeito podem ser expressão tanto de vida quanto de morte. Freud, em 1920, escreveu "Alem do princípio do prazer", considerando que o sujeito tenha sempre prazer, ou seja, que os eventos mentais são regulados pelo princípio do prazer. Mas como este prazer tende a contrariar outras forças internas, a harmonia nem sempre acontece favorável ao prazer, resultando muitas vezes em sofrimento do sujeito.
No mesmo texto Freud diz, que o princípio do prazer é um mecanismo de funcionamento do aparelho psíquico, que visando a auto-preservação do organismo, mostra-se muitas vezes ineficaz, podendo até colocar o sujeito em risco. Mais adiante, Freud considera existir dois tipos de processos, contraditórios e que coexistem no sujeito, operando um de forma construtiva e outro de forma destrutiva. Diz Freud: "... descrevemos a oposição não entre instintos do ego e instintos sexuais, mas entre instintos de vida e instintos de morte", completando mais na frente que "o princípio do prazer, parece na realidade, servir aos instintos de morte."
Nos pacientes de AIDS, parece que podemos observar comportamentos que nos permitem deduzir, que são regidos pelo princípio do prazer, pois parecem buscar o sofrimento para si e em alguns casos, causar sofrimentos. Retomando Freud, que conclui que os atos regidos pelo princípio do prazer podem ser regidos tanto pela pulsão de vida quanto pela pulsão de morte, responsável pela repetição compulsória de atos que causam dor e sofrimento. Nas situações que o processo primário parece não conseguir se transformar em processo secundário, a pulsão de morte parece se sobrepor à pulsão de vida.
A pulsão de vida e de morte, parecem se misturar a todo instante, assim um ato pode estar servindo a uma ou outra pulsão.O ato sexual, por exemplo, pode estar vinculado a pulsão de vida, mas é a morte das pessoas já existentes, que dá condições para que as novas espécies sobrevivam. Podemos então pensar com Freud, que "a morte é antes uma questão de conveniência, uma manifestação de adaptação às condições externas da vida". Ainda no "Além... ", Freud considera que o aparelho psíquico, substitui o processo primário, que está regido pelo princípio do prazer, sob a dualidade pulsional, em processo secundário, ou seja regido pelo principio de realidade. Com isso, queremos dizer que o aparelho psíquico visa proteger o sujeito, transformando a manifestação da pulsão de morte em manifestação da pulsão de vida, ou seja, possibilitando que o prazer seja alcançado, porém em concordância com o princípio de realidade.
Podemos então, tentar explicar a contaminação e a recontaminação do sujeito HIV+, bem como o comportamento de transmitir o vírus, a outras pessoas, à luz da teoria das pulsões. "Em pulsões e suas vicissitudes", Freud diz que uma pulsão pode se manifestar de diversas formas, passando por diversas vicissitudes. Uma das formas, que nos interessa é a reversão ao seu oposto: "A reversão de um instinto ao seu oposto transforma-se, mediante um exame mais detido, em dois processos diferentes: uma mudança da atividade para a passividade e uma reversão de seu conteúdo.
Um par estudado por Freud que nos interessa, é o par sadismo - masoquismo. Enquanto para ele o sadismo é um mecanismo de defesa da libido narcísica contra a pulsão de morte, o masoquismo é o fracasso desse mecanismo. Assim, os pacientes que se contaminam e os que se recontaminam, estão dirigindo a pulsão de morte contra o ego: masoquismo, enquanto os pacientes que buscam contaminar aos outros estão dirigindo a pulsão de morte para o exterior, buscando a proteção do ego, é o sadismo.
Agora, acho ser possível analisar a questão da responsabilidade dos pacientes em sua contaminação, pois para a psicanálise, o sujeito não é inocente, frente à ação determinada pelo saber inconsciente.
Há um complexo conjunto de determinações que direcionam o sujeito para determinadas relações e ações que se repetem. É a pulsão de morte a responsável pela repetição, portanto é o sujeito responsável (na maioria das vezes) por sua contaminação. Mas a responsabilidade não se refere ao ato, mas sim ao caráter: o homem se sente responsável pelo seu ser, o que significa admitir que a ação tem uma condição subjetiva, o caráter, e o sujeito percebe que não é inocente nisso que sofre, pois é inevitável que um ato seu preceda todo o processo de contaminação, e neste instante, que o sujeito deve perceber que não é um pobre coitado, marcado por um destino miserável e uma vida cheia de tocaias. Neste momento, em que o sujeito se dá conta de que está implicado neste ato, uma presença que escute isto que o sujeito tem a dizer, se torna possível, e segundo a teoria psicanalítica, a presença do psicólogo se faz necessária.
5. Aids e grupo de risco: uma questão social.
Uma revisão na história, nos permite verificar que a sexualidade humana está vinculada à moral e a história da igreja, que desde seu surgimento, passou a dizer o que era permitido praticar e o que era pecado e deveria ser evitado. Para difundir suas idéias e obter resultados, começaram a disseminar sentimentos de culpa.
Durante a Inquisição, prostitutas e mulheres virgens, porém belas, foram condenadas à fogueira, por suspeitas de manterem relações sexuais com o diabo. Como conseqüência, a reforma religiosa levou a uma volta à moral antiga, dando a igreja amplos poderes sobre a sexualidade do indivíduo que precisava da sua permissão para se casar.
Mas é, segundo Foucault (1984), no século XVII, século que marca o desenvolvimento do pensamento capitalista, que a repressão sexual é intensificada, embora se encontrem registros de haver mais liberdade que no século XIX. O século XVII marca também que a prática sexual era regulada pelo poder e falar de sexo era considerado subversão da moral e dos bons costumes, ditado pelos capitalistas burgueses. A ação da igreja incentivou o controle, e a repressão foi mantida, encerrando a sexualidade dentro de casa, um privilégio dos casais que praticavam a única forma de sexo aceitável.
Qualquer outra prática sexual, deveria ser negada, escondida, ficando a relação dentro do casamento restrita aos atos regulares e aceitos: as carícias, abstinência e fertilidade passam a ser normatizadas, numa escala de certo e errado. Nos dois séculos seguintes, as práticas reprimidas foram repensadas, desviando a atenção do casamento para a sexualidade desviante, dos loucos e das crianças.
O homossexualismo nesta época é visto como conseqüência de perversões e desvios sexuais. Mas é no século XX, que alguns tabus são discutidos, as repressões são menores e muitos comportamentos passam a ser aceitos. As relações extraconjugais, bem como as pré- matrimoniais e entre pessoas do mesmo sexo, passam a ser toleradas, de forma implícita. Certos comportamentos ainda considerados desviantes são recriminados socialmente, buscando a sociedade, respaldo científico para as práticas legais. Atos considerados anteriormente, pela medicina, como desviantes são considerados como distúrbios em critérios diagnósticos recentes, como o DSM-III.
Atualmente, vemos que a exploração da sexualidade é tida como formas de propaganda positiva. Muitas empresas associam seus produtos como forma de obter prazer, o que atesta que o controle da igreja já não mais interessa aos capitalistas, por trazer prejuízos, não mais lucros.
A AIDS marca a história do século, sendo descrita e caracterizada medicamente, num momento de transição histórica, que, acreditávamos que as enfermidades infecciosas e, sobretudo, as ameaças de epidemias, já não constituíam um problema para as sociedades modernas. Ao trazer à tona tabus e estigmas sociais tais como o sexo, a sexualidade, a droga, o preconceito e a violência, a AIDS nos remete a situações passadas, em que doenças graves ligadas à sexualidade foram motivos de discriminação e de culpabilização dos doentes. Torna-se necessário qualificar, particularizar e dimensionar a situação da AIDS nesse contexto de morbidade.
Essa doença que surgiu como categoria diagnóstica marcada por questões como a homossexualidade, o que pode ser mais evidenciado por uma das primeiras denominações propostas, Gay related Immune deficiency9 passa a ser uma doença causada por um ‘mau comportamento' "e as pessoas que sempre cumpriram um destino de impureza atribuída do ponto de vista de nossa tradição patriarcal, que tinham a Síndrome de Inferioridade Adquirida (AIDS/SIDA e que sempre existiu), passam a ter um vírus para identificá-las, que as tornam ‘cientificamente' perigosas"8 . A sexualidade dita homossexual passou a ser abertamente considerada como uma sexualidade sem freios, completamente promíscua. Da mesma forma, a possibilidade de existência de doentes heterossexuais foi descartada, num primeiro momento e, transcorrido 15 anos, ainda com base na mesma vinculação, os discursos remetem paradoxalmente a uma crença na justiça do mundo, apontada com soberana convicção pelos mecanismos de defesa: a AIDS acontece com os outros e não comigo.
As outras situações de risco para a AIDS têm um ponto em comum com a prática homossexual: envolvem a introdução do vírus no organismo humano circunstâncias que dependem direta ou indiretamente de ação consciente do ser humano: relações heterossexuais, injeção de drogas, transfusão, transmissão placentária. Assim criam-se as vítimas culpadas, responsáveis pelo seu padecimento merecido, que se contrapõem às vítimas inocentes do mesmo mal. A AIDS, desta forma pode ser classificada naquele grupo de doenças que dependem do comportamento e podem por ele ser modificadas. Assim a AIDS não é socialmente comparada com outras doenças, facilitando que um problema da Saúde Publica se confundisse com questões morais.
Em muitas entrevistas, foi comum verificar que a AIDS é uma doença maldita, que marca o paciente como transgressor da moral e regras sociais, levando-o a se sentir culpado. Para a sociedade, nada mais justo do que se sentir culpado, "do doente de AIDS ninguém tem pena", diz um paciente.
Na verdade, percebe-se que a AIDS, provocou grandes traumas na sociedade. Houve alterações profundas nas relações do portador com sua família, grupo social e profissional. Parece que no nível Social, a AIDS está sendo comparada à peste negra; os pacientes carregam um estigma que apesar de não ter amparo legal, pode ser reconhecido nos discursos correntes.
Nelson Solano, em um artigo, coloca a importância de que a sociedade se organize para exigir do governo benefícios sociais, programas de informação e prevenção às doenças. Este autor faz uma revisão na história e conclui que tudo que se conseguiu junto ao governo, foi fruto do trabalho de organizações e movimentos de resistências que exigiam a tomada de providências com relação aos segmentos sociais prejudicados. O autor enfatiza a importância da participação social criando e exigindo do Governo medidas de contenção e tratamento da doença com relação à AIDS.
Nesta sociedade desorganizada, em relação à Síndrome, surgiram as organizações não-governamentais, as ONGs, criadas para cobrar junto ao governo e autoridades legais, as medidas necessárias em relação ao tratamento e prevenção da doença, bem como proteger, dar apoio e solidariedade ao paciente.
Podemos concluir que o paciente de AIDS, provoca raiva, desprezo, medo e pouco desejo de ajuda por parte da sociedade, o que acarreta nele, sentimentos de ansiedade, o que dificulta as possibilidades de intervenções sociais e psicológicas.
6. Aids e saúde pública
A ciência tem progredido muito desde o século XVIII, principalmente no que diz respeito à ciência médica. A descoberta dos antibióticos, levou a uma crença de que as doenças infecciosas e as epidemias, já não constituíam ameaças para a humanidade, cujo comportamento deixa de ser "fantasiosamente" desvinculado dos riscos de morrer ou adoecer, pois acreditava-se poder recorrer sempre a medicina, que possuía uma terapia infalível para torna-lo saudável.
Assim, muitas doenças ainda matam, mas na maioria dos casos, a ameaça não é concretizada por inexistência de tratamento, mas por falta de acesso aos serviços de saúde, visto que os avanços da medicina, não foram acompanhados pela melhoria dos níveis de vida e saúde da população. Hoje, a alguns anos do século XXI, os problemas principais da saúde não foram resolvidos, nem mesmo nos países mais industrializados.
O surgimento da AIDS como epidemia, trouxe novos problemas à saúde publica. Foi necessário rever os poderes e limites da medicina, que há muito não se defrontava com uma doença que ameaçasse toda a humanidade. Esforços não tem sido medidos para encontrar a cura da AIDS. Quinze anos já se passaram desde o primeiro caso registrado e um extenso caminho foi percorrido, com pesquisadores do mundo inteiro tentando contribuir para a cura.
As formas terapêuticas existentes para combater as doenças acometidas pelos pacientes tem sido utilizadas, mas ainda não há cura para a doença: a medicina retarda um fim que todos sabem ser inevitável.
Nos pacientes com AIDS, penso ser possível verificar o processo da doença como um problema social, no qual as origens e desenvolvimentos de determinadas patologias, dependem dos grupos sociais. A analise da doença a partir do nível social, reformula, sem excluir os outros níveis, demonstrando que os processos sociais determinam a saúde coletiva.
Como a AIDS é uma epidemia que coloca em risco a saúde coletiva, tornou-se então, um problema moral e agudo para qualquer administração da saúde publica. Os caminhos percorridos pela ciência na procura da cura,. bem como as campanhas de prevenção precisam ser analisadas sob a luz da saúde publica.
Num primeiro momento há indicações que a saúde publica pretende enquadrar os profissionais da área em padrões exigidos pela organização de uma produção cada vez maior. No entanto, qualquer programa a ser implementado na rede publica exige reflexão mais profunda e elaborada, que com o encerramento prematuro do trabalho, infelizmente não foi possível realizar.
7. Aids e medicina
A AIDS pode ser comparada às epidemias do passado sobretudo no que diz respeito ao empenho da ciência médica e no terror social.
"Doença em que a morte e a vida se acham tão estranhamente fundidas que a morte toma o bulho e a cor da vida, e a vida toma a forma sombria e a terrível da morte; doença que a medicina nunca curou, que a saúde nunca repeliu". Desta forma, Susan Sontag (1984) compara a AIDS a doenças como a lepra, doença maldita, intimamente relacionada à morte. O leproso representava o perigo, a solidão, era digno da piedade dada aos mortos. Parece ser com esses sentimentos que o HIV + convive. Como se tivesse comprado uma passagem só de ida para uma viagem sem retorno ao mundo dos mortos.
Esta comparação social não encontra similaridades clínicas, pois a AIDS evolui de modo distinto à hanseníase, embora seja vista como algo que desestrutura o sujeito, colocando em risco sua integridade física e mental. Tais sentimentos geram uma ansiedade que o paciente julga poder ser aliviada mediante respostas e certezas médicas. Mas na AIDS, ainda não temos conclusões definitivas, nem mesmo respostas para todas as perguntas, o que em alguns casos torna difícil a relação médico-paciente.
Foi impossível chegar a uma conclusão sobre a relação médico-paciente, visto que das instituições a serem pesquisadas, só duas tiveram os dados colhidos integralmente, o que me impede de modo ético a tomá-los como resultados. Penso, então, ser útil apontar algumas particularidades encontradas na revisão bibliográfica.
Os pacientes em geral, parecem classificar a forma como o diagnóstico é feito de forma satisfatória, embora em alguns casos seja possível anotar sérias queixas sobre a relação médica.
Numa análise distanciada, talvez realmente se possa classificar o atendimento como se possa classificar o atendimento como "satisfatório", mas, nos chama a atenção, a ausência de conteúdo emocional nas respostas dos pacientes.
Os doentes sabem que, neste momento, a medicina não pode fazer muito pelo seu problema, mas em meio à sua angústia, depositam no médico todas as suas esperanças, "acreditando" ser o médico onipotente e capaz de curá-lo. A crença na onipotência médica faz com que o paciente se aproxime do profissional, facilitando um vínculo transferencial.
Em alguns casos, o profissional parece ter dificuldade em lidar com a angústia que a questão da morte lhes provoca. Preparados supostamente para a cura, permitir a morte parece muito difícil, mesmo que tal fim seja o melhor para o alívio.
Em sua tese de doutorado, Souza (1991) escreve: "Lembro-me de pacientes examinados durante os anos de minha carreira. A muitos não consegui oferecer o afeto por eles esperado. Neguei afeto. Não percebi o que estava acontecendo. Não entendia a linguagem que usavam. Não havia lógica no que diziam. Se os tivesse ouvido de outra forma, teria havido sim, sua outra lógica, outro sentido ..." Minha geração de médicos preocupada prioritariamente com a técnica, esqueceu-se do lado humano, aliás não ensinado adequadamente no curso de medicina. E é preciso adquiri-lo. "Não no sentido da erudição ou da adaptação da tecnologia ou ainda de humanitarismo ou filantropia, mas sim do humano que existe em nós."
Se em alguns casos, os dados confirmam que o médico na vida real é educado na falsa crença de curas onipotentes, por outro lado, médicos que ao se defrontarem com pacientes gravemente enfermos, se sentem desorientados e investem na compreensão de sua própria mortalidade, encarando a morte de um paciente não como um fracasso pessoal, mas como contingência profissional. Enquanto os primeiros não conversam, mas interrogam, os segundos escutam, trabalhando sua ansiedade manifesta na sua relação com o paciente, procurando respostas possíveis para suas perguntas.
O medo a incerteza e as preocupações éticas são alguns dos problemas enfrentados pelos profissionais que quando assumem para si seus limites e poderes, se tornam capazes de sustentar a clínica de AIDS, com suas incertezas, bem como sua posição de ser humano mortal e falível.
8. Estágios Clínicos
A AIDS é uma doença de etiologia viral, provocada por retrovírus que após se instalar no interior dos linfócitos humanos, causam alterações lentas e graves nas células imunológicas, o que torna o doente vulnerável a uma infinidade de patologias, infecções oportunistas e neoplasias.
Diferenciamos rigorosamente os termos HIV e AIDS, o que na linguagem ao senso comum são sinônimos. HIV se refere ao vírus da Imunodeficiência humana, enquanto AIDS se refere à síndrome que este vírus provoca.
Ao entrar em contato com o vírus, o indivíduo pode se contaminar, passando a ser portador desse vírus, por um tempo que é variável. Após uma infecção inicial, denominada aguda, o portador passa por um tempo variável sem que o problema de saúde relacionado ao vírus. Esta fase de infecção assintomática é muito perigosa, pois não sabendo que está infectado, o portador passa a ser um agente contaminante.
Segue a classificação dos Centers for Disease Control (CDC), para os estágios da infecção pelo HIV:
1) soroconversão ou infecção aguda
2) infecção assintomática
3) Linfadenopatia generalizada persistente
4)
a - doença constitucional: perda de peso, febre, diarréia
b - doença neurológica
c - infecções secundárias (incluindo infecções da deficiência da AIDS e outras infecções)
d - canceres secundários, incluindo os da deficiência da AIDS
e - outras condições
O CDC define a AIDS como uma doença de diagnóstico confiável de uma deficiência de imunidade celular ocorrendo em indivíduo sem causa evidente de deficiência imunológica ou outra causa de resistência reduzida a esta doença. Este termo reservado para pessoas com no mínimo uma condição clínica potencialmente fatal ligada à imunodepressão causada pelo HIV propriamente dito está compreendido a partir do estágio 4c. São infecções e doenças oportunistas consideradas específicas como indicativas da AIDS:
a) Infecções protozoárias:
Pneumonia por Pneumocystis carinii.
Encefalite por Toxoplasma gondii ou infecção disseminada excluindo infecçào congenita.
Enterite crônica (mais de um mês) por Cryptosporidium.
Herpes simples mucocutaneo crônico (mais de um mês).
Infecção histologicamente evidente por citomegalovirus de qualquer órgão, exceto o fígado e os gânglios linfáticos.
Leucoencefalopatia multifacial progressiva.
b) Infecções fúngicas:
Esofagite por Cândida.
Meningite criptococica ou infecção disseminada.
Infecção bacteriana disseminada ( e não pulmonar e linfática).
Sarcoma de Kaposi.
Linfoma cerebral primário (limitado ao cérebro).
Dentre as doenças mais comuns, envolvendo o sistema gastrointestinal, podemos citar candidiase, afta oral, salmonelose, criptosporiodiose, linfoma, clamidia, gonococus, carcinomacloacogenico.
A testagem sorológica - Após a infecção por HIV, os anticorpos ao vírus desenvolvem-se na maioria das pessoas em 6 a 12 semanas, embora a soroconversão possa levar de 6 a 12 meses. Durante este período, os testes não detectam a presença do vírus no organismo, já que os anticorpos não aparecem. Desta forma, pode ser que um sujeito infectado e ainda neste período, obtenha resultados negativos nos testes, embora tenha o vírus e possa transmiti-lo.
Os anticorpos produzidos pelo sistema imunológico podem ser detectados por dois testes sericos: o ensaio imunossorvente ligado à enzima (ELISA) e pela imunotintura. O ELISA é usado como o primeiro procedimento de triagem, e um único resultado positivo no ELISA deve ser acompanhado por uma segunda testagem.
O ELISA, não é caro, em si, e pode ser considerado excelente, pois tem sensibilidade de 99,6% e especificidade de 99,2% com os métodos mais aperfeicoados.
Após os dois testes ELISA de resultado positivo, é realizada uma imunotintura, para a confirmação final da soroconversão para o HIV. Este teste é o WESTERNBLOT, mais caro que o ELISA, ele confirma ou não o diagnostico inicial.
Pode-se viver em média 7 a 10 anos sem sintomas, mas existem portadores assintomáticos do HIV com 15 anos ou mais sem apresentar sintomas. Depois de manifestada a doença, de acordo com os critérios citados acima, pode se viver em media, 6 anos. Nesta fase a doença já está em estagio avançado e com o auxilio de medicamentos se consegue aumentar a vida do paciente de 6 meses a um ano para cerca de 3 ou 4 anos.
Estão surgindo vários tratamentos que tendem a auxiliar no combate as doenças "oportunistas" e reforçar a imunidade do organismo. Estes procedimentos vêm auxiliando a prolongar a expectativa de vida do paciente, de forma que hoje já se pode falar numa doença tratável, embora não curável, segundo especialistas americanos.
O auxilio desses medicamentos, no tratamento, vai alem do auxilio biológico, pois os pacientes demonstram mais esperanças e mais dispostos a continuar lutando, mantendo a vontade de viver. Um tratamento que alivie os sintomas, que torne o organismo mais resistente, aumentando a expectativa de vida do doente, possibilita que este saia da apatia e da depressão.
Epidemiologia e transmissão: Estima-se que 1 a 1,5 milhões de americanos, 500 mil europeus e possivelmente 10 milhões de pessoas na África estão infectados por HIV.
Após a infecção pelo vírus, o tempo médio para o desenvolvimento da doença é de 8 anos, sendo que o tempo médio de sobrevida é de 18 anos meses, tendo aumentado com o uso de vários tratamentos antivirais.
Aproximadamente 82000 casos foram registrados em dezembro de 1988 nos USA e aproximadamente 56% dos pacientes morreram, sendo 62% homossexuais e bissexuais, seguidos dos 27% de drogaditos e mulheres, não usuárias de drogas e heterossexuais, com 4% dos dados.
Podem estar infectadas, segundo estimativas, 20 a 25% dos homossexuais e 50 a 65% dos toxicômanos. O HIV está presente no sangue, sêmen, secreções cervicais e vaginais, e em menor grau na saliva, lágrimas, leite materno e liquido cefaloraquidiano. A transmissão do HIV ocorre com maior freqüência através do contato sexual, e de sangue contaminado. As atividades sexuais desprotegidas, são as formas mais comuns de se transmitir o vírus.
As relações homossexuais foram durante algum tempo, o caminho mais comum para se pensar a contaminação; hoje, sabe-se que as relações heterossexuais também transmitem AIDS, e que há casos de mulheres que contaminam os parceiros, o que não se pensava a alguns anos atrás.
A contaminação por sangue contaminado ocorre com freqüência quando viciados em drogas intravenosas, compartilham agulhas hipodérmicas, sem técnicas adequadas de esterilização, mas também quando são feitas transfusões sangüíneas, transplantes de órgãos e inseminações artificiais sem testes de sorologia para o vírus.
Também pode ocorrer infecção intra-uterina, sendo a mãe portadora do vírus, e também através do leite materno. Não foram constatadas evidencias de que o HIV possa ser contraído através dos contatos sociais tais como cumprimentar, conversar e tocar pessoas infectadas, embora o contato direto ou indireto com os fluidos corporais já citados, devam ser evitados.
9. Estágios Psicológicos
Nichols (1985), Abrams et al (1986), Ferreira e Abreu (1988) descrevem estágios pelos quais passa o paciente soropositivo semelhantemente aos estágios de pacientes de câncer, descritos por Kubler-Ross (1969) e Marsillac (198 ). Padrões de reações como: dúvida, quando o paciente, sob impacto do diagnóstico, está descrente da realidade e do futuro. A seguir, a negação, caracterizada pela tendência a esquecer ou desconsiderar o diagnóstico. No terceiro estágio, os pacientes, ansiosos e incertos quanto ao desenvolvimento da doença, teme a reação dos outros frente ao diagnóstico, apresentam desamparo, raiva e luto antecipatório. No quarto estágio, os pacientes se preparam para a morte, de acordo com a personalidade de cada um. "5
Na fase inicial, se alternam momentos de negação do diagnóstico com intensa ansiedade. Na segunda fase, encontramos sentimentos de culpa, raiva e autopiedade. No estágio seguinte, fase de aceitação, os pacientes aprendem a aceitar limitações impostas pela doença, com mais razão que emoção. A quarta fase caracterizada por uma situação de tristeza é o momento que precede a fase final, na qual o paciente se prepara para a morte.
Percebe-se que o medo de ficar totalmente dependente dos outros se sobrepõe ao medo de morrer, chegando muitos pacientes a preferir o suicídio. Os dados obtidos com as entrevistas, indicam que desde o diagnóstico de HIV + até o seu óbito, o paciente passa por distintas vivências psicológicas, exigindo diferentes níveis de atenção. O primeiro momento, ligado à reação frente ao diagnóstico, mostra que o paciente está exposto a uma grande dose de stress e depressão, independentemente de possuir estrutura para suportar a crise, correndo o risco de cometer suicídio outro ato que coloque em risco a si mesmo e aos outros. No contexto psicológico, penso ser necessário uma postura de suporte para que o paciente se organize e elabore a aceitação do diagnóstico e venha a aderir ao tratamento. Após a elaboração do diagnóstico, os pacientes manifestam preocupação com as reações dos outros frente à sua doença com seu comportamento dali para frente. Neste momento surge a necessidade de se informar sobre as formas de transmissão, riscos de vida e detalhes sobre a doença. Dentre os pacientes, os homossexuais e drogaditos, parecem apresentar sentimentos de culpa e auto-censura que precisam ser abordados e explorados, cuidadosamente, pois implicam em comportamentos recriminados socialmente. Os pacientes na fase sintomática - AIDS propriamente dita, necessitam de cuidados diferenciados, pois apresentam deterioração do sistema imunológico, com claras manifestações em doenças que exigem internações constantes e debilitação física, que levam o paciente à sentimentos de pessimismo.
Sem poder negar a doença que ele vê agravar diariamente, o paciente parece tentar elaborar as perdas que vão ocorrendo e nesse momento, o profissional deve possibilitar que os sentimentos sejam expressos. Esta abordagem, me parece ser o último nível de atendimento, nos pacientes terminais. Neste estágio, o atendimento deve visar o preparo da família para a morte, assegurando ao paciente que os seus desejos serão satisfeitos e que ele não será abandonado.
Para que o psicólogo possa efetuar os atendimentos ao paciente e familiares penso ser necessário que estabeleça vínculo transferencial, que é suporte de um atendimento mais e com perspectivas de ser bem sucedido.
10. Atendimento Psicológico
Por ser uma doença estigmatizada, com peculiaridades que a distinguem de outras doenças graves e letais, como as questões relativas ao sexo e às drogas, o atendimento aos pacientes devem, segundo alguns autores ser particularizado.
Nos ambulatórios os pacientes que farão o exame são recebidos pelo serviço de psicologia, enquanto no hospital, o primeiro atendimento é médico. Após a anamnese e os exames de praxe, os pacientes têm acompanhamento psicológico se quiserem. Em caso do paciente estar em hospital geral, o encaminhamento é feito através de interconsulta, dependendo muitas vezes da postura do médico diante dos problemas psicológicos do paciente.
Em algumas instituições da saúde publica, a permanência do paciente é a menor possível, pois os leitos são poucos e a demanda é grande, não havendo tempo para um acompanhamento psicológico. Parte destas instituições, os pacientes têm acompanhamento psicológico, e quando tem alta, voltam semanalmente para o atendimento psicológico, que nestes casos, visam permitir aos pacientes lidar com as angustias relacionadas com a doença.
A ansiedade nesses pacientes constitui, por si mesma, um dos sintomas mais importantes, seja no memento do diagnóstico como ao longo da evolução da doença. Cada distúrbio corporal ou cada noiva internação são vividos como um avanço da AIDS e suscitam imediatamente a ansiedade, para após aparecerem outros mecanismos protetores do ego".
O papel dos profissionais da saúde é importantíssimo, pois muitas coisas podem ser atenuadas e corrigidas pela relação madura e franca entre eles e o enfermo, por isso é necessário uma preparação específica do profissional da saúde, para que a equipe, possa atuar mais integralmente e com maior satisfação, alargando seus limites e efetuando mudanças na abordagem a pacientes com AIDS, que visem melhorar sua qualidade de vida, para que ele não sofra mais com o pensar sobre a doença do que com a doença em si. É importante uma visão do tipo de doente internado, quais os objetivos ao lidar com ele e a disponibilidade de tempo para um trabalho tão amplo e individual. É preciso iniciar uma ligação com o paciente, verificar como este poderia viver melhor dentro dos limites impostos pala doença e tratar os sintomas à medida que surgem, tomando-se a coragem necessária à esta ação. O trabalho junto aos doentes objetiva, um tratamento integral, em que se investe na relação com os indivíduos. Busca-se facilitar o entendimento da situação, propiciar melhor evolução clínica, estimular integração social, bem como desenvolver na equipe a capacidade de reconhecer e lidar com as reações emocionais e os desafios.
Autores como Ferreira e Abreu5, que classificam uma seqüência de quatro estágios diante da AIDS, nos quais os pacientes apresentam semelhantemente a pacientes oncológicos, falam que a princípio, os pacientes precisam de um relacionamento com o médico, baseado em franqueza e confiança e de constituição de grupos que incluam familiares, para à seguir, receberem atendimento psicoterápico individual.
Mas o trabalho do psicólogo no hospital, difere do atendimento em consultório, pois implica, segundo certos autores, em dificuldades derivadas do contexto hospitalar: "o atendimento é feito no leito, sem a privacidade desejável, e está sujeito às mais diversas interrupções. Ao contrário das pratica de consultório, no hospital não é o paciente que procura o psicólogo, é o psicólogo que vai ao paciente oferecer seus serviços. Também nem sempre consegue fazer seu trabalho de forma coordenada com o médico que o acompanha e com o pessoal de enfermagem, Enfim, este, deve encarar o fato de que seus serviços não são a razão de ser da internação do paciente e, via de regra, constitui apenas uma demanda secundaria do paciente. Alem disso, o modelo clinico aprendido na formação acadêmica supõe condições muito diversas daquela que o psicólogo encontra no hospital"4 .
E, devido as peculiaridades dos pacientes que apresentam reações emocionais diversas e variadas, entre as quais a depressão e ansiedade e a negação do diagnóstico que, de acordo com pesquisa realizada no hospital Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro2, pode acarretar graves repercussões tanto para o paciente quanto para o meio que o cerca, pois o paciente pode adotar uma atitude de arrogância, desprezo e indiferença com relação à enfermidade e as recomendações medicas, e até mesmo desenvolver quadros psicóticos, já que estes podem ocorrer secundariamente a um comprometimento do sistema nervoso central, o profissional deve estar atento para auxiliar o paciente a se reorganizar diante da grave situação pela qual está passando6 . Para isso, deve centralizar-se no que for mais emergente, possibilitando que o paciente possa reestruturar suas defesas.
Com esses pacientes não dispomos do tempo que dedicamos a outros. Em muitos casos, as soluções têm que ser rápidas, e por isso a postura do profissional deve ser mais ativa. É fundamental que o profissional escute o paciente e permita que ele expresse seus afetos, não esquecendo, porem que seu objetivo é restabelecer sua capacidades interativas. A identificação projetiva é um mecanismo de defesa bastante usado por esses pacientes, o que lhes permite perceber através da reintrojeção se o psicoterapeuta é capaz de suportar os objetos persecutórios de seu mundo interno"3 .
O atendimento deve ser feito levando em consideração a história psiquiátrica do paciente, a apresentação de quadro psicopatologias graves durante o tratamento clínico, pois é de extrema importância os fatos que antecedem a eclosão da doença, em pacientes que estão desenvolvendo a doença, como as reações diante do diagnóstico, relação familiar, doenças anteriores e os aspectos atuais da vida. O paciente deve ser acompanhado em casos de internação e de atendimento ambulatorial.
O tratamento medicamentoso, se aliado ao tratamento psicológico, poderá repercutir em uma melhor qualidade de vida dos pacientes infectados, e se o clínico deste paciente, acompanhá-lo durante todo o tratamento, este paciente, terá diminuído o seu sentimento de abandono e solidão. Pacientes que tiveram apoio, segundo alguns profissionais entrevistados, tem uma aderência maior ao tratamento, apresentando menor tempo de internação. MacDonald(1990), afirma que os pacientes portadores do HIV bem assistidos a nível físico e psicológico, dentro de um ambiente estável e integrador, tendem a diminuir o numero de internações.
Ainda que muitos neguem a importância de um acompanhamento psicológico na melhoria do quadro clinico do paciente, sua importância de um acompanhamento psicológico na melhoria do quadro clinico do paciente, sua importância não fica diminuída, mostrando-se importante para que o paciente tenha uma completa aderência ao tratamento. Um trabalho a nível psíquico poderá contribuir para que o paciente lide melhor com a doença, os estigmas atribuídos à doença e a ele, enquanto doente, as perdas e sentimento de culpa, bem como consiga encontrar uma forma mais digna e menos dolorosa de enfrentar a situação.
Com tanta responsabilidade e dificuldades, é imprescindível, portanto, um trabalho com outros profissionais que atendem o paciente, particularmente com médico clinico que o acompanha.
O medo e preconceito são inerentes ao homem e, em crises como esta, é preciso reavaliar tudo de novo, tentando juntar os conhecimentos adquiridos nas lutas "dos outros"; alguns preconceitos podem já ter sido vencidos por esses outros e não podemos lutar contra a AIDS fazendo de conta que não somos medrosos e preconceituosos.
Finalmente, "seria o caso de questionar a necessidade de uma preparação especifica do psicólogo para o trabalho com pacientes com AIDS. Mas não é a AIDS que reivindica um atendimento especial: somos nós que descobrimos, ao encarar a AIDS, mais alguns de nossos limites. E são eles que, conhecendo-os, podemos tentar alargar"3 .
Trabalhando Com Grupos - O trabalho em grupo possibilita que os pacientes possam compartilhar experiências semelhantes, reunir idéias, sentimentos, progressos e vitorias. Permite que os pacientes participem, se sintam apoiados e integrados.
O momento do atendimento é, muitas vezes , o único momento onde é possível falar da dor, do sofrimento psíquico a que estão sendo submetidos, da dor, da discriminação, do preconceito, da rejeição, do medo da morte, do problema familiar. Outros profissionais, mesmo bem intencionados, não sabem, muitas vezes, lidar com os conteúdos que fazem emergir os medos tanto dos pacientes, quanto dos próprios profissionais, frente a dura realidade que a AIDS nos mostra.
Desta forma, não só o atendimento ao paciente coloca-se como essencial para se propiciar ao sujeito uma melhor adaptação neste momento, como também se faz importante na Preparação da equipe para melhor atender aos casos, lidando também com suas angustias, medos e preconceitos.
Trabalho Em Equipe Interdisciplinar - Os médicos, com freqüência, são vistos como relutantes em compartilhar o cuidado do doente com profissionais de outras áreas. Nos hospitais investigados, uma porcentagem dos dados obtidos parece comprovar tal afirmação, embora outra porcentagem não indique que tal comportamento se mantenha.
A maioria dos médicos de doenças infecciosas não colocou quais os obstáculos à participação de outros profissionais. Ao que tudo indica, a AIDS facilitou o trabalho em equipe, pois muitos profissionais parecem necessitar da socialização das dificuldades de tratamento impostas pela doença, com auxílio de outros profissionais.
Penso ser necessário especificar sobre a importância do relacionamento com outros profissionais, do ponto de vista do psicológico. Creio que o psicólogo precisa obter informações sobre a situação física do paciente; informações que no hospital muitas vezes chega ao seu conhecimento antes do primeiro contato com o mesmo. Com o saber de que o atendimento psicológico não é a razão pela qual o paciente se encontra internado, o psicólogo precisa ter para si que é preciso recorrer ao médico, que é quem vai dizer, com sua autoridade de médico, e com forma própria de fazê-lo, qual é a situação real.
Penso ser necessário e importante, o psicólogo atuar em maior relacionamento com o médico, além daquele comum e usual. O entrosamento do psicólogo com o assistente social e terapeuta ocupacional , é também necessário, pois o serviço social permite ao psicólogo o conhecimento das condições familiares e dos grupos em que vive o cliente, permitindo maior conhecimento dos fatores que atuam sobre ele. As atividades da terapia ocupacional constituem parte importante no processo do paciente no hospital, pois permitem descargas emocionais, possibilitando diminuição das tensões, trazendo alívio, pois fazem com que ele se sinta mais seguro, aumentando a sua autovalorização, dando-lhe a sensação de que é útil, de que ele é merecedor de considerações como os demais. Mas o atendimento da terapia ocupacional deve ser trabalhada de forma cuidadosa, pois com o avanço da doença o paciente terá suas capacidades diminuídas e o psicólogo pode prestar e obter informações junto a terapia ocupacional, sobre as condições e possibilidades de trabalho do cliente, que trabalha estará sendo observado em suas realizações práticas.
Em sua relação com a fisioterapia, o psicólogo pode se manter a par de cuidados fisioterápicos que poderão resolver muitos problemas de tensão exagerada e necessidade de descargas emocionais.
Um trabalho, com a equipe, pode possibilitar aos profissionais, sobretudo aos menos experientes, uma maior adequação de suas condutas, atingindo mais rapidamente o ponto de equilíbrio necessário a uma boa relação com o paciente. Reuniões e discussões em grupo podem levar a uma visão mais global do paciente, do ponto de vista clinico, psíquico e social.
As frustrações freqüentes no lidar com uma alta incidência de morte, fazem-se acompanhar de desanimo e sentimentos de impotência, em muitos profissionais, movidos pelo desejo de curar, já que esta doença é até o presente momento incurável. A elaboração do processo, possibilita que o profissional possa ultrapassar esta fase, e passe a perceber que diminuir o sofrimento dos pacientes, permanecer ao seu lado é algo de extrema importância e faz parte desse primeiro processo, enquanto a cura pela vacina ainda não é possível.
Uma discussão com a equipe pode estimular a solidariedade e a coesão grupal, diminuindo a ansiedade e promovendo a saúde mental da própria equipe. Pode também possibilitar o desenvolvimento das potencialidades de cada um e aperfeiçoar a comunicação com relação ao paciente e seus familiares.
É preciso considerar que o profissional também se afeta com os dramas existenciais dos quais participa e em que se envolve. A mobilização de toda equipe diante de determinados quadros, do acaso, de acidentes traumáticos é evidente e coloca todos diante da questão de sua própria morte e daqueles a quem quer bem. Constitui um trabalho difícil, onde há falta de certezas, falta de verdades prontas, de garantias.
Uma médica diz: "... é preciso isolar dentro de si, a emoção da ação medica e tratar o paciente e não o indivíduo, a doença e não o doente como um todo. Para resistir a esse constante desgaste afetivo-emocional e dar uma assistência global ao paciente e sua família é necessário, a participação de uma equipe multi-profissiohal, que realize o atendimento psicoterapêutico.
11. Últimas considerações
Não me sinto à vontade para falar de conclusões, nem mesmo para dizer que os resultados apresentados são resultados finais, visto que o trabalho foi interrompido prematuramente, num momento em que as coletas de dados, estava sendo feita.
Há em Belo Horizonte, 5 hospitais da saúde pública e 3 ambulatórios, com serviços especiais de atendimento a pacientes de AIDS, além de 6 instituições não governamentais que prestam serviços ligados à saúde sexual, doenças sexualmente transmissíveis e AIDS . Consta também dados de profissionais da área de saúde, pessoas consideradas na área médica e de saúde mental, que estão realizando trabalhos com doentes de AIDS, sendo que estes trabalhos são responsáveis por melhoras significativas na qualidade de vida destes pacientes, bem como na prevenção e estudos científicos na área de saúde física e mental.
Infelizmente, não poderei fazer uma análise destes trabalhos, como foi delimitado no projeto inicial, devido ao seu encerramento antecipado, de modo que por haver coletado dados em menos de 50% das instituições e haver entrevistado também, menos de 50% de profissionais da saúde, que atendem aos pacientes de AIDS em Belo Horizonte, preferi indicar alguns resultados da pesquisa nos tópicos acima, pois não são dados finais e portanto, não me sinto à vontade para vinculá-los aos serviços onde estavam sendo coletados, já que não são garantias de traduzir a realidade de tais instituições. Faço a seguir um breve comentário sobre a importância dos atendimentos psicológicos aos pacientes de AIDS e aos profissionais que os atendem:
Os pacientes com AIDS são privados de tratamento apropriado ou forçados a permanecer em hospitais porque não têm casa para voltar devido à discriminação familiar7 , a solidão, aliada ao pânico e à culpabilidade, expressa-se através de afirmações preconceituosas. Há gente sofrendo: ou porque está com AIDS, ou porque vive as conseqüências da maneira de perceber a AIDS que lhe foi instituída. Pânico, repressão, inibições, são algumas expressões que configuram a institucionalização da AIDS. Se a morte inspira medo, mais ainda o faz o sofrimento inútil do qual pode vir acompanhada - o processo da doença, daí, a função do profissional da saúde não ser só melhorar a qualidade de vida do paciente com AIDS, ele precisa estar apto, também para melhorar a qualidade de morte de seu paciente.
Os primeiros contatos com pacientes de AIDS e com uma equipe de saúde em uma das instituições, me mostrou, o quanto lidar com estes pacientes exige um grande desprendimento, capacidade de suportar frustrações e dor, a dor presente no choque entre vida e morte, que se passa diariamente nas reuniões de grupo, e nas corridas de leito.
Médicos experientes, ficam perplexos diante dos pacientes, frente ao número, extensão e formas de infecções apresentadas. O temor ao contágio e os preconceitos em relação à enfermidade, presente entre alguns profissionais, está tão presente, que muitos se negam a fazer biópsias, autopsias e todo o tipo de exames. Enquanto no ambulatório os pacientes tem inicialmente contato com a equipe de psicologia que os encaminha e acompanha durante todo o processo de atendimento ambulatorial, o paciente internado, não conta com um atendimento psicológico, a não ser que a equipe de saúde o solicite ou que ele mesmo expresse este desejo, o que devido aos transtornos psicológicos e psiquiátricos, nem sempre é possível.
Os membros da equipe de saúde, tem procurado discutir as possíveis dificuldades que talvez dificultem os atendimentos. É uma abordagem desafiadora para os profissionais envolvidos neste trabalho, já que geralmente rompem os limites assistenciais formais, ampliando-se para discussões de problemas que tanto podem pertencer à área institucional, como às dificuldades da relação equipe-paciente.
Na minha opinião, estas reuniões, estão possibilitando que os profissionais, principalmente os menos experientes, consigam adequar sua conduta frente a situações tão difíceis de atingir mais rapidamente, o ponto de equilíbrio necessário a uma boa relação com o paciente.
Entre os internos e residentes, as frustrações freqüentes no lidar com uma alta incidência de morte fazem-se acompanhar muitas vezes de desanimo e sentimentos de impotência.
O grupo de encontro tem possibilitado a seus membros o desenvolvimento das potencialidades de cada um e o aperfeiçoamento da capacidade de comunicação com os pacientes e embora não tenha pretensão terapêutica, ao estimular a coesão e a solidariedade grupal, na verdade tem diminuído a ansiedade e promovido a saúde mental da própria equipe.
Penso que esta equipe está trabalhando para lidar com a coexistência entre Vida e morte que se continuam, numa permanente dialética, como está na dualidade pulsional de Freud. Eles já sabem que há várias formas de morrer, assim como há vários modos de viver e, "Trabalhar desenvolvendo a consciência de alteridade é também um caminho obrigatório no treinamento de profissionais de saúde e educação ou pesquisadores de AIDS. Trabalhar preconceitos, medos e o respeito à diferença é urgente e garante maior eficácia em qualquer intervenção preventiva que vá alem da simples distribuição de informação. É se aproximar respeitosamente do outro lado, ser capaz de perceber o outro como parte possível de nós mesmos. É compreender a universalidade de ser humano e ao mesmo tempo sua variabilidade. É tomar contato cuidadoso com nossos próprios lados não vividos, para não se entrar em pânico com alterações do caminho"10 .
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