Embora possa ser necessária como mecanismo de defesa, a ansiedade excessiva pode tornar o mundo sombrio e assustador. Artigo de capa da CH 285 descreve os transtornos de ansiedade, suas causas e seus efeitos, bem como os tratamentos hoje disponíveis.
Então, o que era um leve frio na barriga, comum em todo primeiro encontro, se torna progressivamente uma avalanche de sensações de desconforto: boca seca, suores, tremores, vertigem. Ao sair em disparada pela porta do restaurante, determinado a voltar para o escritório, nem percebe que acaba de passar pela bela jovem que, por causa de um grande engarrafamento, dirigia-se apressada ao local do encontro.
Grande parte dos indivíduos vê o mundo como um local inseguro e as pessoas como perigosas, o que leva a drásticas reduções em sua qualidade de vidaSituações como essa ocorrem em nossas vidas a todo momento, mas nem todos nós as vivenciamos como se fossem grandes ameaças. Grande parte das pessoas, porém, de fato vê o mundo como um local inseguro e as pessoas como perigosas, o que leva a drásticas reduções em sua qualidade de vida. Essas pessoas sofrem, provavelmente, de algum transtorno de ansiedade.
A ansiedade é um estado mental que se manifesta na antecipação de uma ameaça potencial ou iminente. Embora possa ser necessária, em vários momentos de nossas vidas, como um mecanismo de defesa, a ansiedade excessiva ou os transtornos de ansiedade podem tornar o mundo sombrio e assustador.
Os especialistas a dividem em duas categorias: o ‘estado de ansiedade’, que seria uma resposta imediata ou aguda frente a alguma situação, como termos medo de cobra ou de um assalto quando nos deparamos com esses estímulos ou situações. E o ‘traço de ansiedade’, uma característica de personalidade mais permanente que indica uma tendência da pessoa para ter, ao longo do tempo, um aumento na resposta de ansiedade.
A ansiedade é considerada doença quando interfere gravemente na vida cotidiana, e pode ser classificada em seis síndromes, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV, na sigla em inglês), elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria e utilizado em todo o mundo: transtorno de ansiedade generalizada, fobia social, fobia específica, transtorno de pânico, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno obsessivo-compulsivo. Juntos, esses transtornos afetam cerca de 23% dos brasileiros em algum momento de suas vidas.
Segundo Leda Cosmides e John Tooby, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (Estados Unidos), as emoções podem falhar – em seu propósito de ser adaptativas –porque, embora possam ter sido a melhor resposta aos de desafios ambientais enfrentados por ancestrais humanos, talvez não o sejam na atualidade. As diferenças entre nossas respostas emocionais herdadas e o ambiente moderno podem produzir resultados disfuncionais, como os transtornos de ansiedade. Um estudo desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro, por pesquisadores do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria, mostrou, inclusive, que pacientes com transtorno dopânico tendem a exibir a resposta de congelamento/imobilização (em inglês, freezing) quando visualizam figuras que geram ansiedade. O congelamento, uma resposta de defesa encontrada em muitas espécies, também parece ter sido preservado ao longo da evolução humana. No entanto, os ‘predadores’ da vida humana moderna demandam respostas comportamentais diferentes. Hoje, responder em excesso, constantemente, a qualquer estímulo ou situação que representa ameaça – solidão, exigências do mercado de trabalho, falar em público e outros – pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade. Mas o que leva alguém a desenvolver esses transtornos? Segundo as pesquisas na área, está cada vez mais claro que quadros complexos como o medo e a ansiedade patológicos resultam de uma refi nada interação de diferentes fatores, incluindo componentes biológicos (genéticos e epigenéticos, isto é, mudanças na expressão de genes provocadas por estímulos ambientais), cognitivos e culturais.
Componente biológico: Do ponto de vista biológico, o estudo da ansiedade tem progredido a passos largos, graças ao mapeamento, por técnicas de neuroimagem, de estruturas-chave envolvidas no processamento das informações emocionais no cérebro. Nesse contexto, a ansiedade patológica pode ser vista como o resultado da superativação de certas regiões do cérebro.
É surpreendente imaginar que a propensão a disfunções psiquiátricas como os transtornos de humor e de ansiedade pode ser em grande parte determinada no início da vida.
Eventos iniciais no desenvolvimento de um feto ou bebê podem levar a pessoa a ter, ao longo da vida, uma tendência de expressar maior ansiedade em resposta a um estímulo ameaçador. Fatores genéticos capazes de reduzir a resposta do cérebro ao neurotransmissor serotonina, por exemplo, podem aumentar a probabilidade de um indivíduo desenvolver transtornos de ansiedade ao ser exposto a experiências traumáticas.
Outras experiências positivas no início da vida também são capazes de trazer repercussões moleculares importantes. Alguns exemplos de resultados são um menor número de receptores para o cortisol, aumento do número de ligações entre neurônios (sinapses) no córtex cerebral e no hipocampo e aumento nos níveis de uma molécula chamada ‘fator neurotrófi co derivado do cérebro’ (BDNF, na sigla em inglês). Essa molécula é liberada pelos próprios neurônios e os ajuda a crescer, a se multiplicar, a fazer novas sinapses e a sobreviver.
Mas por que algumas pessoas têm maior resistência a desenvolver transtornos de ansiedade, mesmo quando expostas a situações traumatizantes? Uma das respostas, em termos biológicos, pode estar nessa molécula, o BDNF.
Ela ajuda a regular a chamada plasticidade sináptica a capacidade dos neurônios de alterar a forma de interação com outros, fenômeno envolvido nos processos de aprendizagem e memória, em especial na aprendizagem do medo e em sua extinção. A diminuição dos níveis de BDNF ou alterações na sequência de aminoácidos dessa proteína têm sido relacionadas a uma menor extinção de memórias aversivas ou traumáticas em humanos, o que estaria relacionado a transtornos de ansiedade
Componente Cognitivo: Do ponto de vista psicológico, também há cada vez mais evidências de que uma das diferenças entre uma pessoa ansiosa e uma não ansiosa está na forma como elas interpretam o mundo e os diversos acontecimentos do dia a dia. Vamos pensar que outra pessoa tenha passado pela mesma situação que aquela que descrevemos no início do texto. Seus pensamentos poderiam ser diferentes: “Ela está atrasada, será que aconteceu alguma coisa?”; “Deve estar presa no trânsito, ou sua última reunião no trabalho se estendeu mais um pouco”; “Daqui a pouco ela chega, e se não vier, enfim, será chato, mas não será o fim do mundo”.
Às 18h35, ele vê no celular a mensagem sobre o telefonema do chefe, pouco antes, e pensa: “O que será que ele quer?” Decide ligar, mas sem maior preocupação: “Se não for possível resolver hoje, ponho na lista de tarefas de amanhã”. Sente-se um pouco desconfortável por imaginar que pode ter de refazer alguma tarefa, mas logo pensa que isso faz parte da vida profissional. “Não será a primeira vez, nem a última.” Liga para o chefe, que apenas o cumprimenta pela excelente apresentação feita mais cedo. Nesse momento, vê entrar a jovem que esperava. Presa no engarrafamento, ela lutava para chegar ao encontro.
O que diferencia essa situação da descrita no início? Em termos psicológicos, o que mudou foram os pensamentos – a maneira como o indivíduo atribuiu significados aos acontecimentos. Na primeira descrição, ele exibia um modo de pensar ansioso, no qual podem ser identificadas algumas características: ‘catastrofização’, inferências arbitrárias, tendência a ‘adivinhar’ o futuro, infinitos “e se...”. Quando alguém supõe, tomando como única verdade, que se o chefe ligou é porque há problemas e que um atraso significa rejeição, a resposta emocional não pode ser outra: tremores, frio na barriga, desconforto.
Embora os transtornos de ansiedade provoquem intenso sofrimento psíquico e social ao paciente e a seus familiares, a boa notícia é que a psiquiatria contemporânea conta com ampla gama de medicamentos que auxiliam a pessoa ansiosa. Eles agem, em geral, em dois sistemas neurológicos, o serotoninérgico (que envolve a serotonina) e o GABAérgico (que envolve outro neurotransmissor, o ácido gama-aminobutírico, conhecido pela sigla, em inglês, GABA). O último é o principal componente inibitório do sistema nervoso central. De forma promissora, a psicologia clínica também contribui para a atenuação do quadro de ansiedade, empregando métodos de tratamento que estimulam o paciente a aceitar o desafio de encontrar formas mais leves de viver.
Como colocado, uma das abordagens mais eficazes de que a psicologia dispõe para a ansiedade é a terapia cognitivo-comportamental, baseada na identificação de pensamentos disfuncionais e no confronto dessas crenças com os fatos/evidências da realidade compartilhada socialmente. O trabalho cognitivo, aliado ao foco comportamental, isto é, ao desenvolvimento de novas habilidades e competências, tem se mostrado bastante efetivo para a mudança da fórmula ‘superestimação do perigo + subestimação das capacidades de enfrentamento = ansiedade patológica’.
E daqui pra frente? Estudo surpreendente realizado no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostrou que a estimulação com realidade virtual é capaz de induzir ansiedade em pacientes com transtorno de pânico e agorafobia (medo de lugares abertos). Os pesquisadores agora investigam se a realidade virtual também poderia ser útil como uma ferramenta terapêutica para esses pacientes.
Hoje, no entanto, as psicoterapias podem ajudar a conduzir o paciente a perceber suas realizações, dando a si mesmo o crédito por elas, o que aumenta a autoestima e a autoconfiança, possibilitando maior controle em situações geradoras de ansiedade. Afinal, se chegamos até aqui é porque somos verdadeiramente preparados para encarar desafios – inclusive, o de buscar caminhos para driblar a ansiedade excessiva e, simplesmente, sermos mais felizes.
TIPOS DIFERENTES DE ANSIEDADE
A ‘ansiedade generalizada’ é marcada por preocupações irrealistas, excessivas e duradouras, acompanhadas de tensão motora, irritabilidade, insônia e estado de alerta constante (hipervigilância).
HETEM, L. e GRAEFF, F. Transtornos de ansiedade. São Paulo, Atheneu, 2004.
KAPCZINSK, F.; QUEVEDO, J. e IZQUIERDO, I. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos. Porto Alegre, Artes Médicas Sul, 2000.
LANDEIRA-FERNANDEZ, J. e CHENIAUX, E. Cinema e loucura – conhecendo os transtornos mentais através dos filmes. Porto Alegre, Artmed, 2010.
NARDI, A. E. Transtorno de ansiedade social: fobia social – a timidez patológica. Rio de Janeiro, MEDSI, 2000.
No início da noite, ele estava sentado à mesa do restaurante, a aguardar por ela. Seria o primeiro encontro. Os minutos passavam lentamente e, a cada avanço do ponteiro no relógio, um novo pensamento surgia: “E se ela não vier?”; “Será que foi porque eu marquei aqui e não onde ela sugeriu?”; “Será que não gosta de mim?”; “E se desistiu?”.
Às 18h35, ele olha para o celular, ávido por uma ligação ou mensagem, e descobre que seu chefe havia telefonado há cinco minutos. Novos pensamentos se sucedem: “Será que o relatório não ficou bom?”, “Se eu não for promovido, o que direi aos meus amigos?”.
Grande parte dos indivíduos vê o mundo como um local inseguro e as pessoas como perigosas, o que leva a drásticas reduções em sua qualidade de vidaSituações como essa ocorrem em nossas vidas a todo momento, mas nem todos nós as vivenciamos como se fossem grandes ameaças. Grande parte das pessoas, porém, de fato vê o mundo como um local inseguro e as pessoas como perigosas, o que leva a drásticas reduções em sua qualidade de vida. Essas pessoas sofrem, provavelmente, de algum transtorno de ansiedade.
A ansiedade é um estado mental que se manifesta na antecipação de uma ameaça potencial ou iminente. Embora possa ser necessária, em vários momentos de nossas vidas, como um mecanismo de defesa, a ansiedade excessiva ou os transtornos de ansiedade podem tornar o mundo sombrio e assustador.
Este artigo descreve os transtornos de ansiedade, suas causas e os tratamentos disponíveis, relacionando essas informações com as pesquisas sobre o assunto realizadas no Brasil e no mundo.
Sensações de ansiedade são, normalmente, parte da experiência humana, mas a ansiedade excessiva, frequente ou inapropriada pode levar a doenças. Esse estado mental é acompanhado por respostas comportamentais e fisiológicas que incluem evitar as situações temidas, manter-se em alerta e apresentar ativação do sistema nervoso autônomo, responsável por funções automáticas, como respiração, circulação sanguínea e outras. Tais respostas visam a proteger o indivíduo do perigo.
As respostas relacionadas à ansiedade têm sido descritas em humanos e em animais e fazem parte de um mecanismo universal de adaptação dos organismos a condições difíceis. É fácil imaginar como se reduziriam as chances de sobrevivência de uma presa que não tivesse medo de seu predador – um suricato não ter medo de uma águia aumentaria muito as chances de ele virar o jantar da águia. Ter ansiedade, portanto, é necessário e importante, mas até certo ponto.
Os especialistas a dividem em duas categorias: o ‘estado de ansiedade’, que seria uma resposta imediata ou aguda frente a alguma situação, como termos medo de cobra ou de um assalto quando nos deparamos com esses estímulos ou situações. E o ‘traço de ansiedade’, uma característica de personalidade mais permanente que indica uma tendência da pessoa para ter, ao longo do tempo, um aumento na resposta de ansiedade.
A ansiedade é considerada doença quando interfere gravemente na vida cotidiana, e pode ser classificada em seis síndromes, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV, na sigla em inglês), elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria e utilizado em todo o mundo: transtorno de ansiedade generalizada, fobia social, fobia específica, transtorno de pânico, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno obsessivo-compulsivo. Juntos, esses transtornos afetam cerca de 23% dos brasileiros em algum momento de suas vidas.
Segundo Leda Cosmides e John Tooby, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (Estados Unidos), as emoções podem falhar – em seu propósito de ser adaptativas –porque, embora possam ter sido a melhor resposta aos de desafios ambientais enfrentados por ancestrais humanos, talvez não o sejam na atualidade. As diferenças entre nossas respostas emocionais herdadas e o ambiente moderno podem produzir resultados disfuncionais, como os transtornos de ansiedade. Um estudo desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro, por pesquisadores do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria, mostrou, inclusive, que pacientes com transtorno dopânico tendem a exibir a resposta de congelamento/imobilização (em inglês, freezing) quando visualizam figuras que geram ansiedade. O congelamento, uma resposta de defesa encontrada em muitas espécies, também parece ter sido preservado ao longo da evolução humana. No entanto, os ‘predadores’ da vida humana moderna demandam respostas comportamentais diferentes. Hoje, responder em excesso, constantemente, a qualquer estímulo ou situação que representa ameaça – solidão, exigências do mercado de trabalho, falar em público e outros – pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade. Mas o que leva alguém a desenvolver esses transtornos? Segundo as pesquisas na área, está cada vez mais claro que quadros complexos como o medo e a ansiedade patológicos resultam de uma refi nada interação de diferentes fatores, incluindo componentes biológicos (genéticos e epigenéticos, isto é, mudanças na expressão de genes provocadas por estímulos ambientais), cognitivos e culturais.
Componente biológico: Do ponto de vista biológico, o estudo da ansiedade tem progredido a passos largos, graças ao mapeamento, por técnicas de neuroimagem, de estruturas-chave envolvidas no processamento das informações emocionais no cérebro. Nesse contexto, a ansiedade patológica pode ser vista como o resultado da superativação de certas regiões do cérebro.
É surpreendente imaginar que a propensão a disfunções psiquiátricas como os transtornos de humor e de ansiedade pode ser em grande parte determinada no início da vida.
Eventos iniciais no desenvolvimento de um feto ou bebê podem levar a pessoa a ter, ao longo da vida, uma tendência de expressar maior ansiedade em resposta a um estímulo ameaçador. Fatores genéticos capazes de reduzir a resposta do cérebro ao neurotransmissor serotonina, por exemplo, podem aumentar a probabilidade de um indivíduo desenvolver transtornos de ansiedade ao ser exposto a experiências traumáticas.
Animais que sofrem situações traumáticas no início do desenvolvimento, como separação materna ou fome, exibem maior tendência a desenvolver transtornos ansiosos na idade adulta e apresentam alterações fi siológicas como diminuição do hipocampo, estrutura cerebral importante para a formação de memórias. Isso também é constatado em diferentes estudos com crianças que sofreram abuso (físico, emocional ou sexual), presenciaram violência ou viveram eventos de separação duradoura e perda. Tais crianças têm um hipocampo menor e redução na produção de serotoni na, e em geral desenvolvem algum tipo de transtorno de ansiedade. Uma explicação plausível – embora não existam evidências conclusivas – é a de que o hipocampo é mais suscetível às infl uências do ambiente no início do desenvolvimento e de que a redução dessa estrutura cerebral resultaria, entre outros fatores, da presença de altos níveis de cortisol (o famoso hormônio do estresse) na corrente sanguínea. Por outro lado, estudos mostram que animais estimulados positivamente no início da vida pós-natal têm menor propensão à ansiedade. Ratos de mães ansiosas, mas criados por mães que exibem maior comportamento de lamber os filhotes (comportamento relacionado a menores níveis de ansiedade) passam a exibir menor ansiedade, ao contrário dos irmãos biológicos criados pela mãe ansiosa, que lambia pouco. Os efeitos moleculares desse fenômeno são impressionantes: o comportamento materno é capaz de ligar ou desligar a expressão de determinados genes, o que influencia diretamente o comportamento da prole. Esses estudos são chamados epigenéticos e representam uma mudança radical em pensamentos científi cos anteriores, pois evidenciam que a genética é aberta à influência ambiental.
Outras experiências positivas no início da vida também são capazes de trazer repercussões moleculares importantes. Alguns exemplos de resultados são um menor número de receptores para o cortisol, aumento do número de ligações entre neurônios (sinapses) no córtex cerebral e no hipocampo e aumento nos níveis de uma molécula chamada ‘fator neurotrófi co derivado do cérebro’ (BDNF, na sigla em inglês). Essa molécula é liberada pelos próprios neurônios e os ajuda a crescer, a se multiplicar, a fazer novas sinapses e a sobreviver.
Mas por que algumas pessoas têm maior resistência a desenvolver transtornos de ansiedade, mesmo quando expostas a situações traumatizantes? Uma das respostas, em termos biológicos, pode estar nessa molécula, o BDNF.
Ela ajuda a regular a chamada plasticidade sináptica a capacidade dos neurônios de alterar a forma de interação com outros, fenômeno envolvido nos processos de aprendizagem e memória, em especial na aprendizagem do medo e em sua extinção. A diminuição dos níveis de BDNF ou alterações na sequência de aminoácidos dessa proteína têm sido relacionadas a uma menor extinção de memórias aversivas ou traumáticas em humanos, o que estaria relacionado a transtornos de ansiedade
Componente Cognitivo: Do ponto de vista psicológico, também há cada vez mais evidências de que uma das diferenças entre uma pessoa ansiosa e uma não ansiosa está na forma como elas interpretam o mundo e os diversos acontecimentos do dia a dia. Vamos pensar que outra pessoa tenha passado pela mesma situação que aquela que descrevemos no início do texto. Seus pensamentos poderiam ser diferentes: “Ela está atrasada, será que aconteceu alguma coisa?”; “Deve estar presa no trânsito, ou sua última reunião no trabalho se estendeu mais um pouco”; “Daqui a pouco ela chega, e se não vier, enfim, será chato, mas não será o fim do mundo”.
Às 18h35, ele vê no celular a mensagem sobre o telefonema do chefe, pouco antes, e pensa: “O que será que ele quer?” Decide ligar, mas sem maior preocupação: “Se não for possível resolver hoje, ponho na lista de tarefas de amanhã”. Sente-se um pouco desconfortável por imaginar que pode ter de refazer alguma tarefa, mas logo pensa que isso faz parte da vida profissional. “Não será a primeira vez, nem a última.” Liga para o chefe, que apenas o cumprimenta pela excelente apresentação feita mais cedo. Nesse momento, vê entrar a jovem que esperava. Presa no engarrafamento, ela lutava para chegar ao encontro.
O que diferencia essa situação da descrita no início? Em termos psicológicos, o que mudou foram os pensamentos – a maneira como o indivíduo atribuiu significados aos acontecimentos. Na primeira descrição, ele exibia um modo de pensar ansioso, no qual podem ser identificadas algumas características: ‘catastrofização’, inferências arbitrárias, tendência a ‘adivinhar’ o futuro, infinitos “e se...”. Quando alguém supõe, tomando como única verdade, que se o chefe ligou é porque há problemas e que um atraso significa rejeição, a resposta emocional não pode ser outra: tremores, frio na barriga, desconforto.
Esse modelo psicológico – de que são os pensamentos que levam, em grande parte, às respostas emocionais –é chamado de ‘modelo cognitivo’. Em termos clínicos, foi desenvolvido pelo psiquiatra norte-americano Aaron T. Beck na década de 1970 e revolucionou a psicoterapia, dando origem à promissora terapia cognitivo-comportamental (TCC), segundo a qual pensamentos, sentimentos e comportamentos interagem de forma que cada um potencializa os outros. Os psicólogos britânicos Nick Edgerton e Stephen Palmer construíram o diagrama Space (nome formado pelas iniciais das palavras social, physiology, action, cognition e emotion), que mostra esse processo. Em 2010, o modelo foi adaptado para o Brasil, onde ganhou o nome de diagrama Faces (fisiologia, ação, cognição, emoção e social/situação).
Componente Cultural Parece claro que o componente cultural desempenha papel importante na gênese e no desenvolvimento dos transtornos de ansiedade. A cultura em que o indivíduo está inserido recheia seu conteúdo psíquico com prioridades, pressões e exigências (por determinados comportamentos, desempenho ou resultados). Embora os transtornos de ansiedade provoquem intenso sofrimento psíquico e social ao paciente e a seus familiares, a boa notícia é que a psiquiatria contemporânea conta com ampla gama de medicamentos que auxiliam a pessoa ansiosa. Eles agem, em geral, em dois sistemas neurológicos, o serotoninérgico (que envolve a serotonina) e o GABAérgico (que envolve outro neurotransmissor, o ácido gama-aminobutírico, conhecido pela sigla, em inglês, GABA). O último é o principal componente inibitório do sistema nervoso central. De forma promissora, a psicologia clínica também contribui para a atenuação do quadro de ansiedade, empregando métodos de tratamento que estimulam o paciente a aceitar o desafio de encontrar formas mais leves de viver.
Como colocado, uma das abordagens mais eficazes de que a psicologia dispõe para a ansiedade é a terapia cognitivo-comportamental, baseada na identificação de pensamentos disfuncionais e no confronto dessas crenças com os fatos/evidências da realidade compartilhada socialmente. O trabalho cognitivo, aliado ao foco comportamental, isto é, ao desenvolvimento de novas habilidades e competências, tem se mostrado bastante efetivo para a mudança da fórmula ‘superestimação do perigo + subestimação das capacidades de enfrentamento = ansiedade patológica’.
E daqui pra frente? Estudo surpreendente realizado no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostrou que a estimulação com realidade virtual é capaz de induzir ansiedade em pacientes com transtorno de pânico e agorafobia (medo de lugares abertos). Os pesquisadores agora investigam se a realidade virtual também poderia ser útil como uma ferramenta terapêutica para esses pacientes.
Hoje, no entanto, as psicoterapias podem ajudar a conduzir o paciente a perceber suas realizações, dando a si mesmo o crédito por elas, o que aumenta a autoestima e a autoconfiança, possibilitando maior controle em situações geradoras de ansiedade. Afinal, se chegamos até aqui é porque somos verdadeiramente preparados para encarar desafios – inclusive, o de buscar caminhos para driblar a ansiedade excessiva e, simplesmente, sermos mais felizes.
TIPOS DIFERENTES DE ANSIEDADE
A ‘ansiedade generalizada’ é marcada por preocupações irrealistas, excessivas e duradouras, acompanhadas de tensão motora, irritabilidade, insônia e estado de alerta constante (hipervigilância).
Já a fobia social é o medo – com ativação do sistema autonômico: suor, tremores, ritmo cardíaco acelerado – em situações sociais que envolvem a possibilidade de julgamento do comportamento ou desempenho do indivíduo por outros.
Na fobia específica, a aversão ocorre em determinadas situações (medo exagerado de animais, de sangue, de altura, de voar e outros).
O transtorno de pânico, em geral associado à agorafobia, caracteriza-se por episódios agudos (com pico em 10 minutos) e inesperados de terror e inclui sintomas físicos e cognitivos fortes e variados, entre eles o ‘congelamento’, além da sensação de estar observando tudo como se não estivesse ali (desrealização).
O que indica o transtorno de estresse pós-traumático são episódios recorrentes de terror após evento (por exemplo, assalto ou acidente automobilístico) em que houve ameaça real ou potencial à integridade
física do indivíduo ou de outros – em geral, o sistema autonômico é ativado sempre que essas memórias traumáticas retornam.
No transtorno obsessivo-compulsivo o indivíduo tem pensamentos recorrentes (obsessões) e é impelido a praticar atos repetidos (compulsões) que parecem aliviar a ansiedade gerada por aqueles pensamentos (por exemplo, acreditar que todos os objetos têm micro-organismos causadores de doenças e por isso lavar as mãos a todo instante).
Sugestões para leitura
HETEM, L. e GRAEFF, F. Transtornos de ansiedade. São Paulo, Atheneu, 2004.
KAPCZINSK, F.; QUEVEDO, J. e IZQUIERDO, I. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos. Porto Alegre, Artes Médicas Sul, 2000.
LANDEIRA-FERNANDEZ, J. e CHENIAUX, E. Cinema e loucura – conhecendo os transtornos mentais através dos filmes. Porto Alegre, Artmed, 2010.
NARDI, A. E. Transtorno de ansiedade social: fobia social – a timidez patológica. Rio de Janeiro, MEDSI, 2000.
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