sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Células-tronco, embriões e a constituição

           O desafio é desenvolver as pesquisas com embriões humanos de forma ética e transparente

Como é que as células-tronco (CTs) embrionárias foram parar no Supremo Tribunal Federal, junto com traficantes, mensaleiros e sangues-sugas? Não eram elas a grande promessa terapêutica do século 21? Sim! Porém, seu uso envolve a destruição de um embrião humano, criando a possibilidade de violar o artigo 5o de nossa constituição, que garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida”.


As embrionárias são o tipo mais versátil de CTs até hoje identificadas em mamíferos, com a capacidade de dar origem a todos os tecidos do corpo. Desde a década de 80 se fazem pesquisas com as CTs embrionárias de camundongos, e hoje sabemos como transformá-las em células cardíacas, em neurônios, entre outras, que quando transplantadas em animais doentes são capazes de aliviar os sintomas de diversas doenças, de Parkinson a paralisia causada por trauma da medula espinhal.

A partir de 1998, com o estabelecimento das primeiras CTs embrionárias humanas, as pesquisas se voltaram à geração de tecidos para o tratamento daquelas doenças em seres humanos. Porém, como essas pesquisas exigem a destruição de um embrião de 5 dias – um conglomerado de aproximadamente 100 células –, uma nova polêmica surgiu no mundo todo: esse embrião é uma vida humana ou não?

Ora, é claro que ele é uma forma de vida, assim como um feto, um recém-nascido e um idoso também são. A real questão é “que formas de vida humana nós permitiremos perturbar?”. A “vida” mencionada na nossa Constituição já é legalmente violada em algumas situações: por exemplo, no Brasil reconhecemos como morta uma pessoa com morte cerebral, apesar de seu coração ainda bater. Essa é uma decisão arbitrária e pragmática, que nos facilita o transplante de órgãos. E no outro extremo da vida humana, durante o desenvolvimento embrionário? Ao proibirmos o aborto estabelecemos ser inaceitável a destruição de um feto. Por outro lado, se esse feto for o resultado de um estupro ou representar risco de vida para a gestante, no Brasil ele passa a ser uma forma de vida humana que pode ser eliminada. Porém, no que diz respeito às CTs embrionárias, o embrião em questão é muito mais jovem, ainda não tem forma e está numa proveta, e não implantado no útero.
Lygia da Veiga Pereira é professora livre-docente e chefe do Laboratório de Genética Molecular do Instituto de Biociências da USP e autora dos livros Clonagem: da ovelha Dolly às células-tronco e Seqüenciaram o genoma humano... E agora? (Editora Moderna).

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