RESUMO
Este artigo, desenvolvido a partir da experiência no Serviço de Hematologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foi feito em forma de pesquisa bibliográfica e buscou, refletir sobre trabalhos de intervenções psicológicas dentro da onco-hematologia e oncologia.
Acredita-se que este levantamento pode oferecer maior propriedade sobre o assunto e sobre os alcances e limitações destas práticas, buscando uma reflexão sobre o que é possível ser realizado, dentro da demanda destes pacientes; entendendo que desta maneira estaremos contribuindo para melhores intervenções, projetos e questionamentos dentro do campo da onco-hematologia.
INTRODUÇÃO
Diante da experiência como psicóloga aprimoranda do Setor de Hematologia do HCFMUSP, a autora participou diretamente da realidade vivida dentro desta clínica, realidade esta que, diante do sofrimento físico e psíquico de pacientes, familiares e equipe cuidadora, vem aos poucos pedindo e valorizando a importância do profissional de psicologia na equipe de saúde.
No contato com as práticas e intervenções desenvolvidas diretamente para atender a demanda dos pacientes onco-hematológicos, as reflexões e questionamentos sobre as intervenções mais adequadas no contexto de vida destes pacientes no momento de doença são constantes. Indaga-se sobre o que os psicólogos, especialistas na área da saúde podem, dentro do contexto da doença hematológica, oferecer para este ser humano que sofre física e emocionalmente.
No contato com pacientes, familiares e equipe de saúde dentro do setor de onco-hematologia, esta pesquisa bibliográfica foi pensada e desenvolvida com objetivo de identificar, em algumas das principais bases de dados, trabalhos publicados que descrevem atividades (intervenções) de profissionais da psicologia dentro do contexto da onco-hematologia e da oncologia. Foram coletados quinze trabalhos, de diferentes autores, instituições, e com diversos objetivos e referenciais teóricos, possibilitando-nos um panorama mais claro sobre o que tem sido realizado dentro desta especialidade.
O presente trabalho tem caráter descritivo, pois localiza e descreve as intervenções realizadas nesta área, que foram publicadas nas bases de dados pesquisadas. A partir dos dados obtidos, os autores buscaram discutir sobre tais intervenções, trazendo à pesquisa um caráter também reflexivo. Sabe-se da existência de inúmeras intervenções e serviços que, em função da não publicação de seus trabalhos, não foram aqui incluídos, impossibilitando-nos de enriquecer o trabalho com suas experiências.
A ONCO-HEMATOLOGIA
Segundo Alberts (1997), o câncer é formado por células mutantes que adquirem autonomia de crescimento e multiplicação, interrompendo o seu processo de amadurecimento normal. Um tumor será maligno quando suas células tiverem a capacidade de migrar para tecidos vizinhos causando tumores secundários. As neoplasias malignas são divididas entre os tumores sólidos e as neoplasias hematológicas, sendo que o último é tratado pela especialidade da hematologia, mais precisamente a onco-hematologia.
No grupo das doenças oncológicas, onde segundo Ferrari e Herzberg (1997) se encontram as neoplasias hematológicas, estão as leucemias agudas e crônicas, os linfomas e o mieloma múltiplo, dentre outros. Geralmente estas doenças não estão restritas a uma única região do corpo, mas se manifestam em várias áreas do organismo sem respeitar barreiras anatômicas.
O sangue, a medula óssea e os gânglios linfáticos, além do baço e do fígado, são órgãos mais freqüentemente envolvidos neste processo. A onco-hematologia é terreno de grande complexidade, e tem sido objeto de estudo e dedicação de diferentes profissionais da área da saúde. Segundo dados da Fundação Oncocentro (2005), dos tumores apresentados em mulheres, 3,8% são do sistema hematopoético (responsável pela produção do sangue), sendo que nos homens, este número aumenta para 4,6%.
As leucemias são divididas em agudas e crônicas. O grupo das leucemias agudas é dividido em mieloblástica e linfocítica, sendo que essa diferenciação é feita na célula de origem de cada grupo. De forma geral as leucemias agudas apresentam uma evolução muito rápida, sendo necessário o diagnóstico precoce e o tratamento rápido. Apesar de ser um tipo raro de câncer, a leucemia aguda apresenta um elevado índice de morte em pessoas abaixo da idade de 35 anos. A incidência das leucemias é semelhante por todo o mundo, sendo que, dentre as leucemias agudas, a mieloblástica tem ligeira predominância sobre a linfocítica. São mais predominantes nos homens, sendo maior o número de casos nos de raça branca. A idade de acometimento difere enormemente entre dois grupos, sendo a leucemia linfocítica aguda (LLA) muito comum até os 10 anos de idade e a leucemia mielóide aguda (LMA) muito comum na média de 65 anos de idade.
O tratamento entre os dois grupos também é muito diferente. Além disso, a leucemia mielóide aguda tem um pior prognóstico que a crônica. As leucemias crônicas também apresentam a forma mielóide e linfocítica. A leucemia linfocítica crônica (LLC) é a mais comum das leucemias. Apesar de todos os avanços nos conhecimentos sobre a doença e na forma de tratamento, atualmente mais avançadas, não houve nenhuma mudança na sobrevida destes pacientes. A leucemia linfocítica crônica apresenta-se habitualmente no paciente com idade acima de 60 anos, motivo pelo qual muitas vezes o tratamento quimioterápico agressivo não é utilizado, atingindo-se assim índices de cura próximos de zero. Outro motivo que leva o tratamento a ser feito de forma paliativa é a característica da doença que, muitas vezes, não requer uma intervenção terapêutica, vivendo o paciente por volta de 20 anos sem maiores problemas. (Sociedade Brasileira de Cancerologia, 2005)
Ainda segundo a Sociedade Brasileira de Cancerologia (2005), os linfomas caracterizam-se pela proliferação anormal das células do tecido linfóide. As doenças de Hodgkin e não-Hodgkin apresentam algumas características clínicas semelhantes, mas divergem na célula de origem, forma de apresentação, tratamento e nos resultados do tratamento. Estão entre as doenças malignas que melhor respondem ao tratamento com radioterapia e quimioterapia.
O índice de cura da doença de Hodgkin é em torno de 75% para os pacientes com o tratamento inicial e nos casos de recidiva; já os linfomas não-Hodgkin são curados em menos de 25% dos casos. O número de casos de linfoma não-Hodgkin é aproximadamente cinco vezes maior que o de doença de Hodgkin. Essas duas doenças apresentam um acometimento muito grande de pacientes em idade produtiva (adultos jovens).
Segundo ABRALE (2005), o Mieloma Múltiplo é um câncer da medula óssea, onde há o crescimento descontrolado de células plasmáticas. Embora seja mais comum em pacientes idosos, há cada vez mais jovens contraindo a doença.
Sobre o tratamento do câncer, Yamaguchi (1994) explica que ele pode ser curativo, almejando a eliminação da doença; de suporte, buscando um controle da doença; ou paliativo, visando apenas a diminuição da dor e do sofrimento do paciente. Estes tratamentos abrangem cirurgias, quimioterapias, radioterapias, transplantes de medula óssea (TMO), dentre outros; podem ser empregados isoladamente ou em conjunto, dependendo de cada caso. No caso da onco-hematologia, a quimioterapia, a radioterapia e o TMO são as medidas terapêuticas mais presentes de acordo com a realidade clínica destes pacientes.
A quimioterapia, segundo Ferrari e Herzberg (1997), é um tipo de tratamento baseado na administração de substâncias químicas, que atuam nas células do câncer, principalmente durante sua divisão. A ação destas substâncias se estende por todo o corpo, com exceção do Sistema Nervoso Central. O principal efeito colateral da quimioterapia é a queda de produção de células do sangue (mielodepressão), ocasionando indisposição física e suscetibilidade a infecções, sangramentos, inflamação do trato digestivo (mucosites), além de náuseas, vômitos e queda do cabelo (alopécia).
Ainda segundo Ferrari e Herzberg (1997), a Radioterapia, baseada na ação de radiação para o tratamento do câncer, pode ser administrada externamente ou pela colocação da fonte de radiação em seu interior e apresenta ações locais, buscando a destruição das células cancerosas por meio da interferência na estrutura de seu DNA. Normalmente os efeitos colaterais deste tratamento são restritos às áreas irradiadas.
O Transplante de Medula Óssea (TMO), procedimento de grande complexidade médica, traz consigo grande impacto na vida dos pacientes. Tal procedimento tem sido utilizado para tratar uma série de doenças hematológicas, dentre algumas outras, que eram consideradas incuráveis no passado. Ferrari e Herzberg (1997) explicam que o TMO é um tipo de tratamento baseado na administração de altas doses de quimioterápicos (associados ou não à radioterapia), que visam destruir a medula óssea que em seguida será substituída por uma nova medula que é infundida no paciente. Existem alguns tipos de transplante; são eles o Alogênico, o Autólogo ou Autogênico e o Singênico.
O primeiro é realizado pela doação de uma medula óssea compatível que é implantada no paciente; no segundo a própria medula do paciente é colhida, tratada e infundida novamente; e o terceiro é o transplante entre irmãos gêmeos idênticos. Estes procedimentos são extremamente complexos e invasivos e suas decisões dependem de diversos fatores como a idade, estágio da doença, condições físicas, doador compatível dentre outras. As decisões não dependem somente do próprio paciente e de sua condição física e emocional, mas também da existência ou não de um doador e de sua disponibilidade para este processo.
Dadas as intensas demandas físicas e emocionais - indução do regime, imunossupressão, isolamento físico e social, hospitalização prolongada - associadas ao procedimento de TMO, bem como o seu crescente uso, enquanto modalidade terapêutica para uma variedade de doenças malignas e hematológicas, a qualidade de vida (QV) de pacientes submetidos ao TMO tem emergido como uma área crítica de estudo. (Almeida & Loureiro, 2000)
Tal procedimento cria uma nova perspectiva de vida, porém traz consigo muitas dificuldades, resultantes de efeitos colaterais, do risco do tratamento e do sofrimento emocional advindo de uma angústia muito grande vivida nas diferentes etapas deste processo.
Segundo Andrrykowski (apud Almeida e Loureiro, 2000), embora o TMO seja uma terapia para salvar vidas, o procedimento por si só está associado com um risco significativo de mortalidade. Os pacientes podem escolher continuar com o tratamento convencional, mas sem perspectiva de cura, ou optam pelo TMO que traz mais risco, mas também maior potencial de cura.
Segundo Almeida, Loureira e Voltarelli (1998), pesquisas recentes têm registrado uma diversidade de efeitos psicossociais do TMO, incluindo disfunção sexual, dificuldades nas relações sociais e relacionamento interpessoal, ansiedade, depressão, baixa auto-estima, dificuldade de re-inserção profissional, limitação quanto às atividades recreativas, dificultando, assim, o processo de adaptação do paciente.
A PSICO-ONCOLOGIA
Seja pela gravidade da doença ou do tratamento, se trabalha em um contexto onde o índice de óbitos é alto, tornando de grande importância um serviço que forneça respaldo psicológico para o paciente, seus familiares e equipe profissional. Sabe-se que dentro deste contexto, diversos trabalhos têm sido desenvolvidos com a intenção de oferecer atendimento psicológico.
Com a descoberta da doença, que acontece na maioria das vezes de forma brusca, o paciente passa por situações diversas. A doença, tratamento e conseqüências adjacentes interferem em diferentes questões e transformam a vida dos pacientes, que não é mais “dono” sozinho de sua rotina, mas está submetido às necessidades do tratamento e da rotina do serviço hospitalar.
Chiattone (1998) coloca que no contexto da doença, além dos efeitos físicos presentes pelo quadro médico, o diagnóstico atinge diretamente a integridade psicológica dos pacientes, tornando-os fragilizados e vulneráveis. Esta situação é geradora de extrema angústia, em geral por dor, culpa, temor à separação dos familiares (em função do isolamento), sofrimento e a eminência da morte, desencadeando reações psíquicas específicas que variam de acordo com os recursos psicológicos internos de cada paciente.
Tanto as próprias questões físicas, inerentes as doença e ao tratamento, quanto as questões psíquicas, adjacentes a este quadro, favorecem o surgimento de angústias, questionamentos, reflexões, sofrimentos e até mesmo o surgimento de um quadro com sintomas psicopatológicos que exijam a intervenção psiquiátrica. É exatamente neste terreno, de delicadas sensações, onde se encontra o paciente, normalmente bastante fragilizado em função do diagnóstico, prognóstico ou mesmo em conseqüência de seus tratamentos penosos.
A inquietude perante a evolução da doença, a esperança em relação aos tratamentos e à cura, os exames médicos, os momentos de espera face ao que é desconhecido, a hospitalização, os efeitos colaterais, a qualidade de vida, dentre outras diversas questões, faz o dia-dia destes pacientes.
A intervenção psicológica em uma Unidade de Transplante de Medula Óssea, se adequadamente estruturada, apresenta-se como um recurso que amplia os limites de ação da equipe médica no atendimento das necessidades que surgem em cada momento da trajetória do paciente oncológico: iniciando-se no diagnóstico, percorrendo o tratamento e podendo alcançar as situações posteriores de adaptação do paciente às seqüelas concretas ou subjetivas com que se deparam (Veit et al., 1998).
Para uma reflexão sobre as possibilidades de intervenções psicológicas, é necessária a contextualização das situações vividas pelos pacientes. Kovács (1992) escreveu sobre o homem diante da morte, entendendo que desde o momento do diagnóstico, o paciente passa por diversas etapas, onde pode reagir de diferentes maneiras, de acordo com sua estrutura emocional. No caso de doenças graves, como o câncer, a pessoa tem os planos da própria vida interrompidos, trazendo à tona angústias muito intensas em relação à eminência da morte.
Segundo Carvalho (1997), desde o filósofo Hipócrates há o entendimento de que o que acontecia na mente afetava o corpo. Com o advento da tecnologia baseada no modelo cartesiano de pensamento, foi desenvolvido o modelo dicotômico que influenciou diretamente a ciência, dentre elas a medicina, entendendo a partir daí que para se conhecer o todo, deveria estudar as suas partes. Neste momento perde-se a visão integral do ser humano, dividindo a mente e o corpo, como entidades distintas.
Já no fim do século passado, em que era clara a influência cartesiana na medicina, Freud, em seusEstudos sobre a Histeria propôs um retorno a uma visão mais integrada do ser. Freud demonstrou que as paralisias histéricas eram destituídas de um substrato neurológico, não restando dúvidas de que seus trabalhos apontavam na direção de uma visão mais integrada do homem, mostrando que acontecimentos da esfera psíquica causavam conseqüências orgânicas. (Carvalho, 1997)
Ainda segundo Carvalho (1997), Franz Alexander, em Chicago, Estados Unidos, criou a medicina psicossomática que assumiu novamente o papel de que a mente tem relação com a saúde física. Alexander fazia relações entre aspectos psicológicos e interações psiconeuroimunológicas. Foi a partir da década de 50 que os trabalhos de orientação psicanalítica começaram a surgir, estudando a relação entre a estrutura de personalidade e o desenvolvimento do câncer. Hoje a medicina não se detém a encontrar causas únicas para as patologias, ela busca, de forma mais abrangente, olhar o ser humano como um ser bio-psico-social.
O achado de uma causa não nos exime da tarefa de investigar no terreno dos significados inconscientes, do mesmo modo que o achado de um motivo psicologicamente compreensível não nos exime da investigação das causas eficientes através das quais o transtorno se realiza como uma transformação da configuração dos órgãos e suas funções. Em lugar de serem incompatíveis, ambas as interpretações da enfermidade podem ser contempladas como as duas faces de uma mesma moeda. (Chiozza, apud Carvalho, 1997)
A psicologia tem desenvolvido trabalhos nesta área expandindo seu campo de atuação. A psico-oncologia, segundo Gimenes (apud Ferreira, 2002), é uma interface entre a Psicologia e a Oncologia, constituindo um campo de intervenção. Esta especialidade que se desenvolveu dentro da área da saúde busca, dentro de um contexto interdisciplinar, criar serviços de assistências e pesquisas e suas estratégias de intervenção podem ser utilizadas em diferentes níveis, desde a fase da prevenção até o tratamento, as reabilitações ou na fase terminal da doença.
Segundo Costa Junior (2001), a psico-oncologia deve ser entendida por nós como um instrumento que viabiliza atividades interdisciplinares no campo da saúde, desde a pesquisa científica básica até os programas de intervenção clínica. Esta especialidade começou a ser sistematizada a partir da percepção de que fatores não orgânicos influenciavam no surgimento, evolução e no resultado do tratamento do câncer. Em função dos avanços da medicina e da descoberta de novos medicamentos houve um aumento do tempo de vida destes pacientes, ampliando a necessidade de acompanhamento psicológico nas diferentes fases da doença.
As intervenções psicológicas, sejam elas dentro do contexto da saúde ou não, são pautadas em referenciais teóricos que norteiam e direcionam as práticas de seus profissionais. A psicologia é uma área bastante ampla e abrangente, e sua prática é baseada fundamentalmente em seu referencial teórico, que com suas particularidades, desenvolve sua prática embasada em sua teoria.
As principais abordagens teóricas que encontramos são a psicanalítica, comportamental, fenomenológica, analítica (Junguiana), sistêmica, dentre outras. Nestas abordagens, de forma geral são atendidos: pacientes, familiares, equipe e, em alguns casos, a comunidade. As modalidades de atendimento normalmente são individuais e grupais e a metodologia pode ser analítica, psicoterápica, de apoio ou informativa (orientação).
OS ARTIGOS DA PESQUISA
Diante desta vasta possibilidade de atuação, a presente pesquisa levantou as práticas da psicologia dentro da onco-hematologia nas seguintes bases de dados: Dedalus (USP), Psiqué (SBP-SP), LUMEN (PUC-SP), LILACS - Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde e MEDLINE. O período da pesquisa foi entre o ano de 1995 até 2005, sendo priorizados materiais da onco-hematologia em detrimento aos artigos da oncologia.
Foram também priorizados os materiais de trabalhos realizados em território nacional, buscando um panorama brasileiro dos trabalhos na área, também como os materiais mais recentes. Foram inseridos na pesquisa 15 trabalhos seguindo as prioridades acima descritas. Como a inclusão dos trabalhos se restringe às intervenções da psicologia na área da onco-hematologia, os trabalhos teóricos, que somam grande quantidade, foram utilizados para embasamento da presente pesquisa. Tais trabalhos contribuíram de forma bastante significativa, mas têm objetivo diverso dos trabalhos que descrevem práticas e intervenções.
Acreditamos que o levantamento dos trabalhos realizados na área poderá oferecer maior propriedade sobre o assunto, sobre o que tem se feito e publicado, e sobre os alcances e limitações destas práticas, buscando uma reflexão sobre o que é possível ser realizado, dentro da demanda destes pacientes; entendendo que desta maneira estaremos contribuindo para melhores intervenções, projetos e questionamentos dentro do campo da onco-hematologia.
RESULTADOS
Após a seleção dos artigos, para que se pudesse obter um panorama das intervenções psicológicas realizadas e publicadas neste setor, o material foi dividido em algumas categorias, possibilitando uma melhor leitura de seus dados. Esta seleção de artigos, baseada em alguns critérios estabelecidos, não esgota de maneira nenhuma o tema abordado.
Não foram todos os artigos que continham claramente em suas exposições tais categorias, portanto, em alguns casos, estas classificações ocorreram de acordo com a leitura e compreensão dos autores. Sabe-se da existência de trabalhos que aqui não foram incluídos, ou porque não constavam nestas bases, ou porque se referiam a discussões teóricas sobre o tema, que acabaram contribuindo apenas para as discussões e reflexões.
Dentre os artigos pesquisados, 53% dizem respeito a intervenções psicológicas dentro da oncologia e 47% na onco-hematologia. Os trabalhos de onco-hematologia foram priorizados, pois dizem respeito diretamente ao trabalho em questão.
Apesar de todos os trabalhos terem a intenção de comunicar sobre uma intervenção psicológica, cada trabalho tem a intenção de comunicar um tipo específico de informação. Assim como temos trabalhos puramente teóricos, que falam de formulações teóricas desenvolvidas pelos autores, nesta pesquisa foram selecionados apenas trabalhos que descrevessem práticas e intervenções. Dos trabalhos analisados, 47% descrevem uma intervenção e citam a forma de funcionamento do serviço onde este trabalho pôde ser desenvolvido; 33% descrevem apenas uma modalidade de intervenção, sem explicar ou citar o serviço ou local onde esta intervenção foi realizada; e apenas 20% dos trabalhos tiveram o objetivo de descrever um serviço, sua estrutura e intervenções nele realizadas.
Dentre as intervenções, 35% focaram seu trabalho no desenvolvimento de atividades com pacientes e familiares, não deixando o trabalho restrito aos pacientes; 27% somente com pacientes, 20% publicaram sobre intervenções com familiares, 13% citam intervenção com pacientes, familiares e equipe e 5% dos trabalhos falam de intervenções somente com a equipe cuidadora.
Em relação à faixa etária, 60% das intervenções tiveram seu foco no trabalho com adultos, 33% no trabalho com crianças e apenas 7% falam de trabalhos realizados tanto com adultos quanto com crianças.
Quanto à modalidade de atendimento, 60% foram realizados individualmente, 27% dos trabalhos propõem atendimentos individuais e grupais e 13% apenas grupal.
Dos trabalhos pesquisados, 39% não especificam o referencial teórico adotado para fundamentar tal intervenção, 27% se baseiam na psicanálise como referencial teórico, 13% fazem uso da terapia comportamental/cognitiva, 7% terapia sistêmica, 7% analítica (Junguiana) e 7% usam a fenomenologia como referencial para seu trabalho.
Assim como o referencial teórico adotado tem suas variações, os tipos de intervenções também: 40% das intervenções têm finalidade psicoterápica, 13% de orientação, 7% análise, 7% terapia de apoio, 7% grupo operativo, 13% tem finalidade tanto psicoterápica quanto de terapia de apoio e 13% tanto psicoterápica quanto de apoio e de orientação.
DISCUSSÃO
Primeiramente encontramos nos resultados um panorama sobre o que se tem publicado de psicologia dentro da onco-hematologia. Os resultados informam o leitor sobre as intervenções da psicologia que foram publicadas, isto é, que de alguma forma foram indexadas a alguma base de dados e divulgadas para o meio científico. Porém, estes dados também são representativos quando se tem a intenção de saber quais as intervenções que têm sido desenvolvidas pelos profissionais da psicologia dentro da onco-hematologia. Podemos, a partir destes pontos, observar alguns dados e especular algumas questões. Indiretamente encontramos também um panorama sobre as intervenções realizadas pela psicologia dentro destas especialidades.
Sabe-se que muitos serviços não possuem publicações sobre seu trabalho e tal aspecto, de certo modo, limita a pesquisa, que acaba falando diretamente somente sobre o que se tem publicado em onco-hematologia. Mas entende-se também, que a publicação científica diz muito das práticas e de suas metodologias, oferecendo-nos indiretamente informações sobre tais procedimentos.
De acordo com o recorte utilizado neste trabalho, foram priorizados os trabalhos de onco-hematologia.
Somente após a coleta destes materiais foram incluídos trabalhos referentes à oncologia, buscando complementar o trabalho com experiências muitas vezes bastante próximas da realidade da clínica onco-hematológica. Desta forma, não temos um panorama comparativo entre publicações em onco-hematologia e oncologia, mas sim, artigos e intervenções que se somam dentro de um contexto da psico-oncologia como um todo. Como citado anteriormente, a oncologia é uma especialidade bastante abrangente e já possui muitos trabalhos e serviços de psicologia dentro de sua clínica. Na onco-hematologia, em função do significativo número de portadores de neoplasias hematológicas, muita dedicação, estudos e trabalhos estão em desenvolvimento neste setor, fazendo-se compreender o percentual significativo de intervenções realizadas dentro desta realidade.
No que se refere aos temas mais abordados pelos profissionais e pesquisadores que atuam em psico-oncologia podemos citar os seguintes em ordem decrescente: atendimento psicológico a crianças com câncer (17,8% dos trabalhos), atendimentos psicológicos a pacientes com câncer de mama (15,6% dos trabalhos), atendimento psicológico em contexto de terminalidade e morte (14,4%), desenvolvimento de atividades por equipes multidisciplinares de saúde (11%), preparação e atendimento psicológico a pacientes cirúrgicos (8,5%), atendimento ao familiar do paciente com câncer (6,5%), preocupações com a formação de profissionais de Psicologia para atuação em psico-oncologia (4,9%) e outros menos freqüentes e estatisticamente não significativos nesta distribuição. (Costa Junior, 2001)
Costa Junior (2001) nos fornece alguns dados sobre o tema dos trabalhos realizados em psico-oncologia, porém o autor fez sua coleta de dados em congressos de psico-oncologia, diferindo desta pesquisa, que buscou nas bases de dados seus materiais. Durante a coleta de dados, foram encontrados muitos trabalhos cujos temas se referiam às práticas em onco-hematologia ou oncologia, mas que somente estavam disponíveis em forma de “resumo de congresso”, ou “resumo de evento”, não constando em forma de artigo, impossibilitando sua consulta.
Sobre o objetivo dos trabalhos (Figura 2) dos artigos pesquisados, todos tiveram a intenção de expor sobre uma intervenção; esta foi, inclusive, a condição para que estes artigos fizessem parte desta pesquisa. Além deste objetivo em comum, cada qual possui objetivos específicos, sendo que 47% falam com mais detalhes de uma modalidade de intervenção e somente citam a forma de funcionamento do serviço onde tal intervenção foi realizada.
Apenas 20% dos trabalhos encontrados nos oferecem uma visão geral, mais ampla e abrangente do serviço de psicologia estruturado dentro da oncologia, possibilitando-nos conhecer desde sua estruturação até sua forma de atuação. Costa Junior (2001) se refere ao perfil de trabalhos em congressos de psico-oncologia, e cita que:
Quanto ao tipo de trabalho desenvolvido, pouco mais de 60% se referiam a relatos de experiência, em que o(s) autor(s) descrevia(m), de modo mais genérico ou não, sua experiência(s) profissional(is) junto a um ou mais serviços de atendimento a pacientes de oncologia. Observa-se que nem sempre as informações contidas eram suficientes para permitir ao leitor compreender os objetivos e/ou procedimentos de trabalho utilizado(s) pelo(s) autor(s). Poucos trabalhos continham informações que indicassem preocupação do(s) autor(es) com procedimentos sistemáticos de intervenção profissional, critérios eletivos quanto a que procedimento utilizar e em que situação ou preocupações com medidas de eficácia ou efeitos da intervenção profissional executada. (Costa Junior, 2001)
Dos artigos coletados nesta pesquisa, apenas alguns fornecem de forma detalhada uma descrição de seus serviços; dentre eles o artigo publicado por Costa Junior e Coutinho (1998), oferece uma ampla descrição do Programa de Atendimento Psicológico da Unidade de Onco-Hematologia Pediátrica do Hospital de Apoio de Brasília. O artigo descreve as atividades desenvolvidas por profissionais e psicólogos dentro deste serviço e a assistência oferecida para pacientes pela equipe de saúde que o integra, explicando as parcerias firmadas entre o hospital e a graduação de psicologia.
Neme (1999), em sua tese de doutorado, descreve também um serviço de psicologia na oncologia criado pela autora no Hospital Manoel de Abreu na cidade de Bauru. A autora explica o serviço e sua estruturação, descrevendo sua intervenção pautada na psicoterapia breve, na terapia de apoio e de esclarecimento.
Desenvolve uma pesquisa buscando compreender as possíveis relações entre as condições psicológicas gerais e os modos e direções de esforços de enfrentamento apresentados pelos pacientes estudados e seus familiares; buscou também compreender os efeitos do tratamento psicológico no processo de lidar com a enfermidade, além de verificar os ganhos terapêuticos obtidos com a psicoterapia breve utilizada por eles no serviço. O último artigo encontrado com este objetivo descreve também a estruturação de um serviço e foi realizado por Torrano-Massetti, Oliveira e Santos (2000), descrevendo o Serviço de Atendimento psicológico na unidade de transplante de medula óssea do HCFMRP-USP, que inclui atendimento para pacientes e familiares, tanto no pré quanto no pós TMO, apresentando as principais atividades desenvolvidas e a avaliação da efetividade de tais trabalhos.
Em relação à faixa-etária, os dados demonstram que o número de publicações de intervenções com adultos ainda é maior do que com crianças. Segundo a Fundação Oncocentro de São Paulo (2002), o câncer infantil ainda é raro, embora observemos um aumento progressivo das taxas de incidência, sobretudo para a Leucemia Linfóide Aguda, os Linfomas Não-Hodgking, tumores no Sistema Nervoso Central, tumor de Wilms e outros tumores renais.
Algumas estatísticas apontam que uma em cada 600 crianças poderá desenvolver um câncer até os 15 anos. Dos artigos selecionados nesta pesquisa, apenas no artigo “atendimento psicológico numa unidade de transplante de medula óssea” de Torrano-Massetti et al. (2000) que foram encontradas intervenções tanto com adultos quanto com crianças.
Das publicações incluídas nesta pesquisa, a maioria dos trabalhos relata intervenções tanto com pacientes quanto com familiares, deixando clara a importância do atendimento se estender também ao familiar. Este trabalho mais abrangente é essencial dentro da oncologia, e aos poucos, os trabalhos vão também incluindo a equipe de saúde em suas intervenções.
O atendimento individual ainda é muito maior quando comparado ao grupal. 60% dos atendimentos são individuais e apenas 27% propõe atendimentos individuais e grupais (Figura 5). O atendimento individual ainda é o mais utilizado dentro da psicologia, apesar do crescente desenvolvimento de atividades grupais.
Dentre as diversas modalidades de psicoterapias, é imprescindível incluir aquela que tem uma dimensão grupalística, a qual, comprovadamente tem se mostrado eficaz e de grande abrangência, porém que, em nosso meio brasileiro, ainda não encontrou um campo de aplicação clínico mais sistemático e consistente. (Zimerman, 1999)
Zimerman (1999) acrescenta que aos poucos os trabalhos grupais vêm abrindo espaço de valorização e aplicação, tendo objetivos diversos de acordo com a finalidade que eles desejam alcançar. As principais modalidades grupais são os grupos operativos e os psicoterápicos.
Segundo Costa Junior, (2001), nos últimos congressos de Psico-oncologia há um crescente aumento da participação de outras metodologias, como os atendimentos de grupo a pacientes e familiares, programas de recreação e de desenvolvimento de habilidades de enfrentamento, acompanhamentos domiciliares, grupos de auto-ajuda, dentre outros, que indicam uma tendência de expansão metodológica da área conforme as demandas vêm sendo identificadas pelos profissionais.
Quanto à finalidade da intervenção psicológica, a psicoterapia é a mais utilizada. Podemos observar isto na Figura 7, onde 40% das intervenções têm finalidade psicoterápica. A “psicoterapia é um termo genérico que costuma ser empregado para designar qualquer tratamento realizado com métodos e propósitos psicológicos.” (Zimerman, 1999).
O autor ainda esclarece que muitas vezes o termo “psicoterapia” engloba uma série de possibilidades, psicanalíticas ou não, baseadas em sua concepção teórica e em suas aplicações práticas. Isto significa que dentro de diferentes referenciais teóricos o termo psicoterapia é utilizado para designar práticas diversas, podendo ocasionar certa confusão quanto ao seu significado.
Assim, senso lato, psicoterapia pode designar desde uma situação de simples “aconselhamento”, uma “orientação” diretiva e sugestiva, uma “ab-reação”, um “reasseguramento”, ou alguma das diversas formas de “psicoterapia de apoio”, assim como também é possível que esteja aludindo a uma “terapia cognitiva”, ou “comportamental”, ou ainda “psicodramática”, “transicional”, “sistêmica” (para casal, família), “grupal”, etc,etc. (Zimerman, 1999)
A psicoterapia psicanalítica, referencial teórico que embasa o trabalho dos autores desta pesquisa, como o próprio nome já refere, é baseada nos fundamentos psicanalíticos. A terapia de apoio, bastante encontrada nos resultados desta pesquisa, pode, como todas as outras técnicas utilizadas, possuir um caráter bastante pessoal, baseado na orientação teórica que a fundamenta; segundo Zimerman (1999), ela pode ser compreendida como uma simples prestação de consolo ou de conforto, porém, quando se trata da terapia de apoio de base psicanalítica, Zimerman explica que há um caráter bastante forte, buscando discriminar e localizar a parte sadia e forte do paciente, reforçando os mecanismos mais desenvolvidos do ego e propiciando melhores condições de enfrentamento de determinadas situações.
A orientação, modalidade bastante comum nos hospitais, fornece ao paciente e seus familiares orientações e esclarecimentos de caráter mais prático e objetivo; temas relacionados à doença, ao tratamento, à internação, aos efeitos colaterais etc são abordados e podem ser orientados pela equipe multiprofissional.
Apenas a minoria dos trabalhos encontrados cita intervenções isoladas de análise, terapia de apoio e grupo operativo.
Em relação ao referencial teórico dos trabalhos desta pesquisa, chama a atenção o fato de que a maioria dos trabalhos não especifica em seu texto o referencial teórico utilizado para embasar tal atuação. Cada profissional possui embasamentos teóricos bastante específicos e, a partir destes conceitos, desenvolve as práticas que entende por mais adequadas para aquele contexto. Porém, não se deve esquecer que, independentemente do referencial adotado, estes trabalhos buscam sempre uma melhor adaptação do paciente à sua condição atual de doença; 27% dos artigos pesquisados se baseiam na psicanálise como referencial teórico, 13% fazem uso da terapia comportamental/cognitiva, 7% terapia sistêmica, 7% analítica (Junguiana) e 7% usam a fenomenologia como referencial para seu trabalho.
CONCLUSÕES
Diante desta pesquisa, dos dados obtidos e da reflexão realizada a partir deste material, alguns pontos obtêm mais destaque e evidência. O trabalho dentro da onco-hematologia é complexo e, em muitos momentos, insalubre. O contato do profissional de psicologia com pacientes que vivem em um contexto demasiadamente penoso é, ao mesmo tempo, árduo e instigante.
O desenvolvimento da presente pesquisa se deu a partir do questionamento constante sobre “O que poderemos fornecer aos pacientes neste momento de suas vidas?”, “De que tipo de trabalho se beneficiariam? Que modalidade de intervenção? Pautada em quê?”.
São escassos os trabalhos que permitem conhecer melhor os serviços criados, suas estruturas, seus funcionamentos, quanto menos ainda suas dificuldades. Este dado parece deixar uma espécie de alerta para que os profissionais se dediquem mais a tornar suas experiências públicas, entendendo que desta maneira estarão contribuindo muito para a experiência de outros colegas e para o avanço da ciência.
Trabalhar tão próximo da morte remete o profissional a muitas questões; questionamentos existenciais, conflitos particulares e sentimentos de impotência são muito presentes no dia-a-dia deste trabalho. Mesmo assim, são poucos os trabalhos que expõem os percalços deste caminho, trazendo muitas vezes uma sensação de distância e impessoalidade em relação aos artigos publicados.
Fica evidente, a partir dos dados obtidos, que intervenções dos mais diversos tipos têm sido desenvolvidas dentro de diferentes serviços. Percebe-se que tais intervenções variam de acordo com o referencial teórico do profissional que está à frente da criação e desenvolvimento dos serviços.
Trabalhos realizados por profissionais com referencial comportamental, por exemplo, mostram um caráter mais objetivo, se utilizando de técnicas e procedimentos que buscam a obtenção de um determinado resultado, ao passo que trabalhos baseados na teoria analítica (junguiana) se interessam e priorizam muito mais o material simbólico trazido pelos pacientes, não estabelecendo focos tão específicos para suas intervenções. Desta maneira, cada serviço acaba tendo um caráter muito próprio, e desenvolvendo suas atividades baseadas na compreensão daqueles profissionais sobre o ser humano.
Dentro do Serviço de Psicologia da Clínica de Hematologia do HCFM-USP existe espaço para indagações e questionamentos a respeito destas práticas. O serviço vem se estruturando há algum tempo, contando hoje com a possibilidade de algumas modalidades de atendimento a pacientes, familiares e equipe de saúde.
O referencial teórico utilizado é o psicanalítico, e a partir dele, autores como Donald Winnicott, entre outros, embasam as intervenções psicológicas realizadas neste setor. Segundo Freud (apud Zimerman, 1999) a psicanálise é um processo de investigação, um método de tratamento e uma disciplina científica.
Já há algum tempo a psicanálise cria espaços para sua prática dentro de instituições e tem fornecido subsídios teóricos e práticos para a sustentação de seu trabalho.
Psicanálise pode ser um instrumento fundamental para assistir uma pessoa próxima da morte (...). A tarefa é acompanhar o paciente na busca de sua verdade, quando possível. Ao lidarmos com pacientes terminais, lidamos com questões essenciais da existência humana de um modo muito vívido, o que nos traz a necessidade de mantermos um estado de mente aberta, permitindo que os sentimentos dos pacientes nos penetrem, mas prestando atenção para não sermos levados a uma situação contra-transferencial que pode invadir o paciente. Ao invés disso, nossos sentimentos podem ser usados para a compreensão do estado de mente do paciente. O setting psicanalítico é antes de mais nada um setting interno. (Montagna, 1991)
São inesgotáveis as questões relativas ao trabalho do psicanalista, porém vem se tornando clara sua função dentro de um contexto como o da onco-hematologia. Este profissional, inserido na equipe, tem a intenção de oferecer-se como escuta e continente, para que juntos, paciente e terapeuta ou psicólogo e profissional possam elaborar os efeitos da nova e impactante realidade.
A questão que se coloca é a de tornar possível o encontro com o outro, este desconhecido. A capacidade de empatizar, através das atuais práticas em Psicologia da Saúde, tem sido o caminho humano facilitador de fugazes encontros, possibilitando o compartilhar de experiências difíceis dentro do ambiente hospitalar, e assim, conseguindo insights valiosos acerca da capacidade humana de comunicar-se. Esta capacidade fica aqui traduzida como a tentativa de fornecer ao paciente uma sustentação emocional para a vivência de experiências relacionadas ao tratamento. (Barros, 1999)
De acordo com Volich (2000), terapeuta em grego significa “eu cuido” e na Grécia antiga, terapeuta antes de tudo era aquele que se colocava junto àquele que sofria, que compartilhava da doença do paciente buscando compreendê-la. Um terapeuta é alguém que responde a um pedido de ajuda em relação a um sofrimento; o paciente busca alguém com quem possa compartilhar e que se disponha a acolher este pedido. Deseja falar muitas vezes de um “sofrimento que o próprio sujeito desconhece, mas que encontra no sintoma, na queixa, sua forma de expressão mais requintada, quase sempre, a única possível naquele instante de sua vida.”(Volich, 2000)
Psicoterapia não é fazer interpretações argutas e apropriadas, em geral, trata-se de desenvolver, a longo prazo, aquilo que o paciente traz. Esta é a forma pela qual me apraz pensar em meu trabalho, tendo em mente que, se o fizer, suficientemente bem, o paciente será capaz de descobrir seu próprio Eu (Self) e será capaz de existir e sentir-se real. (Winnicott, 1975)
Tal trabalho necessita de muito estudo, muita dedicação e disponibilidade interna. Somente pesquisas e trocas de experiências entre profissionais podem contribuir e enriquecer tais práticas, somando esforços para oferecer a estes pacientes atendimentos sensíveis, adequados e coerentes com seu momento de vida. “Nossa função como psicanalistas é necessária onde haja a necessidade de alguém para pensar os pensamentos que ainda não foram pensados, este podendo talvez ser o caso da maioria das pessoas, vivendo ou morrendo.” (Montagna, 1991).
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