O mérito decorre da opção pelo cumprimento do dever para com os outros
independentemente da profundidade das angústias existenciais; haja ou não haja
por que e para que existir, a virtude é melhor que o vício, o amor que o ódio
A pergunta com arzinho meio tolo, parecendo coisa de criança domingo de
manhã, é a questão mais intrigante e irrespondível já formulada.
As duas linhas
básicas de resposta às indagações mais difíceis que se formulam sobre a
existência são teístas ou ateias; contudo, essa interrogação põe o problema
para antes de Deus ou do Big Bang.
Caso se queira explicar tudo a partir da
vontade de Deus, ainda se pode perguntar: por que Deus em vez do nada? Para os
que preferem raciocínio à fé, também se pode perguntar: por que os acasos em
vez do nada?
Talvez a indagação da testilha possa ser melhor posta: por que a
existência em vez da inexistência? Não no sentido egocêntrico da existência de
quem pergunta; sim no sentido de que independentemente do inquiridor, existe-se.
Com isso se foge de armadilhas idiomáticas sobre Deus ser algo ou alguém.
A
indagação título precede logicamente a existência de alguém com vontade
criadora ou do acaso criador. Por que alguém ou algo, em vez do nada?
Guri, para que fazer pergunta que não tem resposta? Bem, vamos lá tentar
responder a essa indagação menos complexa. A questão irrespondível não é de
minha autoria; adoraria ser o “culpado” da formulação, mas ela é de Leibniz,
século 17.
Ainda que a resposta esteja fora do nosso alcance, o peso dessa
pergunta, se corretamente sentido sobre a existência, põe as nossas crenças
numa posição menos proeminente do que imaginamos que elas estejam.
A pergunta
serve como sistema métrico que faz ver com mais clareza a nossa condição de
poeira diante da infinitude. Outro valor da pergunta aparece quando se ousa
pensar sobre a resposta; a ousadia de saber é o motor na trajetória entre a
barbárie e a civilidade.
A prostração diante da ignorância infinita impede
qualquer conhecimento, até mesmo aquele que reconhecemos como limitado, finito.
Então, se vê, as perguntas sem resposta servem para a criação de perguntas
respondíveis que são, por sua vez, caminho para respostas parciais às grandes
indagações humanas.
Spomville |
O
franco filósofo diz que ninguém entra em guerra por causa da equação de segundo
grau, ou porque a soma do quadrado dos catetos é igual à hipotenusa. As pessoas
se matam para impor suas convicções em temas que são incapazes de apresentar
provas.
A rigor, ao se admitir que a verdade pode estar fora do alcance da
condição humana, partilhada por todos na mesma medida, as opiniões e convicções
sobre o mistério deixam de ser guia da moralidade. Significa dizer que as
virtudes não decorrem de crença nessa ou naquela resposta, pois elas, as
respostas, são sempre menos do que a ciência, o saber demonstrável.
O mérito decorre da opção pelo cumprimento do dever para com os outros
independentemente da profundidade das angústias existenciais; haja ou não
haja por que e para que existir, a virtude é melhor que o vício, o amor que o
ódio, a temperança que a prodigalidade.
A humanidade é, está aí, e a sua
complexidade e singularidade são suficientes para dar a vertigem que se sente
quando se deita no quintal e se fita o céu até que o azul claro se torne azul
profundo. As pessoas são estrelas, as sociedades são galáxias. Maravilhas
existentes e suficientes a justificar a dignidade, independentemente das
opiniões e convicções sobre o que não se sabe se existe.
À Vinicius, em face do
encanto, dele se encante o meu pensamento.
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