O alívio do sofrimento, a compaixão pelo doente e seus familiares, o controle impecável dos sintomas e da dor, a busca pela autonomia e pela manutenção de uma vida ativa enquanto ela durar: esses são alguns dos princípios dos Cuidados Paliativos que, finalmente, começam a ser reconhecidos em todas as esferas da sociedade brasileira.
Os Cuidados Paliativos foram definidos pela Organização Mundial de Saúde em 2002 como uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida. Para tanto, é necessário avaliar e controlar de forma impecável não somente a dor, mas, todos os sintomas de natureza física, social, emocional e espiritual.
O tratamento em Cuidados Paliativos deve reunir as habilidades de uma equipe multiprofissional para ajudar o paciente a adaptar-se às mudanças de vida impostas pela doença, e promover a reflexão necessária para o enfrentamento desta condição de ameaça à vida para pacientes e familiares.
Para este trabalho ser realizado é necessário uma equipe mínima, composta por: um médico, uma en fermeira, uma psicóloga, uma assistente social e pelo menos um profissional da área da reabilitação (a ser definido conforme a necessidade do paciente). Todos devidamente treinados na filosofia e prática da paliação.
A Organização Mundial de Saúde desenhou um modelo de intervenção em Cuidados Paliativos onde as ações paliativas têm início já no momento do diagnóstico e o cuidado paliativo se desenvolve de forma conjunta com as terapêuticas capazes de modificar o curso da doença. A paliação ganha expressão e importância para o doente à medida que o tratamento modificador da doença (em busca da cura) perde sua efetividade. Na fase final da vida, os Cuidados Paliativos são imperiosos e perduram no período do luto, de forma individualizada.
As ações incluem medidas terapêuticas para o controle dos sintomas físicos, intervenções psicoterapêuticas e apoio espiritual ao paciente do diagnóstico ao óbito. Para os familiares, as ações se dividem entre apoio social e espiritual e intervenções psicoterapêuticas do diagnóstico ao período do luto. Um programa adequado inclui ainda medidas de sustentação espiritual e de psicoterapia para os profissionais da equipe, além de educação continuada.
A condição ideal para o desenvolvimento de um atendimento satisfatório deve compreender uma rede de ações composta por consultas ambulatoriais, assistência domiciliar e internação em unidade de média complexidade, destinada ao controle de ocorrências clínicas e aos cuidados de final de vida.
Informações sobre a definição de Cuidados Paliativos pela Organização Mundial da Saúde estão no link: http://tinyurl.com/5228js
História dos Cuidados Paliativos
Alguns historiadores apontam que a filosofia paliativista começou na antiguidade, com as primeiras definições sobre o cuidar. Na Idade Média, durante as Cruzadas, era comum achar hospices (hospedarias, em português) em monastérios, que abrigavam não somente os doentes e moribundos, mas também os famintos, mulheres em trabalho de parto, pobres, órfãos e leprosos. Esta forma de hospitalidade tinha como característica o acolhimento, a proteção, o alívio do sofrimento, mais do que a busca pela cura.
No século XVII, um jovem padre francês chamado São Vicente de Paula fundou a Ordem das Irmãs da Caridade em Paris e abriu várias casas para órfãos, pobres, doentes e moribundos. Em 1900, cindo das Irmãs da Caridade, irlandesas, fundaram o St. Josephs´s Convent, em Londres, e começaram a visitar os doentes em suas casas. Em 1902, elas abriram o St. Joseph´s Hospice com 30 camas para moribundos pobres.
Cicely Saunders e os Cuidados Paliativos modernos
Cicely Saunders |
Cicely Saunders nasceu em 22 de junho de 1918, na Inglaterra, e dedicou sua vida ao alívio do sofrimento humano. Ela graduou-se como enfermeira, depois como assistente social e como médica. Escreveu muitos artigos e livros que até hoje servem de inspiração e guia para paliativistas no mundo todo.
Em 1967, ela fundou o St. Christopher´s Hospice, o primeiro serviço a oferecer cuidado integral ao paciente, desde o controle de sintomas, alívio da dor e do sofrimento psicológico. Até hoje, o St. Christopher´s é reconhecido como um dos principais serviços no mundo em Cuidados Paliativos e Medicina Paliativa.
Cicely Saunders conseguiu entender o problema do atendimento que era oferecido em hospitais para pacientes terminais. Até hoje, famílias e pacientes ouvem de médicos e profissionais de saúde a frase “não há mais nada a fazer”. A médica inglesa sempre refutava: “ainda há muito a fazer”. Ela faleceu em 2005, em paz, sendo cuidada no St. Christopher´s.
Cuidados Paliativos no Brasil
O movimento paliativista tem crescido enormemente, neste início de século, no mundo todo. Na Inglaterra, em 2005, havia 1.700 hospices, com 220 unidades de internação para adultos, 33 unidades pediátricas e 358 serviços de atendimento domiciliar. Estes serviços todos ajudaram cerca de 250 mil pacientes entre 2003 e 2004. Na Inglaterra, pacientes têm acesso gratuito a Cuidados Paliativos, cujos serviços são custeados pelo governo ou por doações. A medicina paliativa é reconhecida como especialidade médica.
Nos Estados Unidos, o movimento cresceu de um grupo de voluntários que se dedicava a pacientes que morriam isolados para uma parte importante do sistema de saúde. Em 2005, mais de 1,2 milhão de pessoas e suas famílias receberam tratamento paliativo. Nesse país, a medicina paliativa é uma especialidade médica reconhecida também.
Prof.Marco Túlio |
No Brasil, iniciativas isoladas e discussões a respeito dos Cuidados Paliativos são encontradas desde os anos 70. Contudo, foi nos anos 90 que começaram a aparecer os primeiros serviços organizados, ainda de forma experimental. Vale ressaltar o pioneirismo do Prof. Marco Túlio de Assis Figueiredo, que abriu os primeiros cursos e atendimentos com filosofia paliativista na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM.
Outro serviço importante e pioneiro no Brasil é o do Instituto Nacional do Câncer – INCA, do Ministério da Saúde, que inaugurou em 1998 o hospital Unidade IV, exclusivamente dedicado aos Cuidados Paliativos. Contudo, atendimentos a pacientes fora da possibilidade de cura acontecem desde 1986. Em dezembro de 2002, o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo – HSPE/SP inaugurou sua enfermaria de Cuidados Paliativos, comandada pela Dra. Maria Goretti Sales Maciel.
O programa, no entanto, existe desde 2000. Em São Paulo, outro serviço pioneiro é do Hospital do Servidor Público Municipal, comandado pela Dra. Dalva Yukie Matsumoto, que foi inaugurado em junho de 2004, com início do projeto em 2001.
A primeira tentativa de congregação dos paliativistas aconteceu com a fundação da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos – ABCP pela psicóloga Ana Geórgia de Melo, em 1997.
Contudo, com a fundação da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, em 2005, os Cuidados Paliativos no Brasil deram um salto institucional enorme. Com a ANCP, avançou a regularização profissional do paliativista brasileiro, estabeleceu-se critérios de qualidade para os serviços de Cuidados Paliativos, realizou-se definições precisas do que é e o que não é Cuidados Paliativos e levou-se a discussão para o Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Conselho Federal de Medicina - CFM e Associação Médica Brasileira – AMB. Participando ativamente da Câmera Técnica sobre Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos do CFM, a ANCP ajudou a elaborar duas resoluções importantes que regulam a atividade médica relacionada a esta prática.
Em 2009, pela primeira vez na história da medicina no Brasil, o Conselho Federal de Medicina incluiu, em seu novo Código de ética Médica, os Cuidados Paliativos como princípio fundamental. A ANCP luta pela regularização da Medicina Paliativa como área de atuação médica junto à Associação Médica Brasileira e a universalização dos serviços de Cuidados Paliativos no Ministério da Saúde.
Cenário atual no Brasil
No Brasil, as atividades relacionadas a Cuidados Paliativos ainda precisam ser regularizadas na forma de lei. Ainda imperam no Brasil um enorme desconhecimento e muito preconceito relacionado aos Cuidados Paliativos, principalmente entre os médicos, profissionais de saúde, gestores hospitalares e poder judiciário. Ainda se confunde atendimento paliativo com eutanásia e há um enorme preconceito com relação ao uso de opióides, como a morfina, para o alívio da dor.
Ainda são poucos os serviços de Cuidados Paliativos no Brasil. Menor ainda é o número daqueles que oferecem atenção baseada em critérios científicos e de qualidade. A grande maioria dos serviços ainda requer a implantação de modelos padronizados de atendimento que garantam a eficácia e a qualidade.
Há uma lacuna na formação de médicos e profissionais de saúde em Cuidados Paliativos, essencial para o atendimento adequado, devido à ausência de residência médica e a pouca oferta de cursos de especialização e de pós-graduação de qualidade. Ainda hoje, no Brasil, a graduação em medicina não ensina ao médico como lidar com o paciente em fase terminal, como reconhecer os sintomas e como administrar esta situação de maneira humanizada e ativa.
A ANCP prevê que, nos próximos anos, essa situação deverá mudar rapidamente. Com a regularização profissional, promulgação de leis, quebra de resistências e maior exposição na mídia, haverá uma demanda por serviços de Cuidados Paliativos e por profissionais especializados. A ANCP e seus parceiros lutam para que isso de fato se torne realidade.
A regularização legal e das profissões, por exemplo, permitirá que os planos de saúde incluam Cuidados Paliativos em suas coberturas. Está provado que Cuidados Paliativos diminuem os custos dos serviços de saúde e trazem enormes benefícios aos pacientes e seus familiares.
A conscientização da população brasileira sobre os Cuidados Paliativos é essencial para que o sistema de saúde brasileiro mude sua abordagem aos pacientes portadores de doenças que ameaçam a continuidade de suas vidas. Cuidados Paliativos são uma necessidade de saúde pública. São uma necessidade humanitária.
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