sábado, 10 de março de 2012

INTERCONSULTA NA ÁREA DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: RELATO

                                                        Conselho Federal de Psicologia

XV Plenário
Gestão 2011-2013

Interconsulta na área de álcool e outras drogas: Relato de uma esperiência interdisciplinar.

Elaine Rosner Silveira

O Apoio Matricial na área de alcoolismo e drogadição é uma prática nova na cidade de Porto Alegre, somos o primeiro CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial . Álcool e Drogas) da cidade a realizar Interconsulta. Entendemos que o atendimento ao usuário de drogas não acontece somente nos serviços especializados, e a rede básica, muitas vezes é a primeira a ser procurada, é a porta de entrada no SUS (Sistema Único de Saúde), por isso julgamos importante este trabalho de capacitação dos profissionais através da Interconsulta
1. Entendemos, também, que a Interconsulta faz parte do Apoio Matricial, pois suas ações, que incluem discussão de casos, orientação e disponibilidade para auxiliar em intercorrências por telefone, fazem parte do Apoio Matricial proposto nos documentos do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004a, 2004b). Ambos, a Interconsulta, indicada no documento da Secretaria Municipal da Saúde, e o Matriciamento, proposto pelo Ministério da Saúde, têm como eixo central a articulação entre os serviços especializados em saúde mental e a rede básica de saúde
2. Deste modo, neste texto faremos referência à prática de Interconsulta desenvolvida no contexto de um CAPS AD

O CAPS Álcool e Drogas Glória Cruzeiro Cristal realiza Interconsulta com a rede básica desde a sua criação em dezembro de 2007, após ter sido esta pactuada com a Gerência Distrital, a partir daí ocorrendo o encaminhamento e a recepção dos pacientes. Cabe relatar que quando iniciamos essa prática de encaminhamento dos casos da rede básica através da reunião de Interconsulta, combinamos primeiro este fluxo de encaminhamento com a Gerência Distrital, obtendo desta forma o
respaldo institucional para implantar esta rotina.
Somos referência especializada para 25 postos de saúde da região distrital Glória/Cruzeiro/Cristal do município de Porto Alegre/RS: 10 Unidades Sanitárias (US) e 15 ESF’s (Estratégia de Saúde da Família). Esta região tem aproximadamente 150.000 habitantes.

 


O modus operandi

Nossa Interconsulta funciona da seguinte maneira: dividimos os 25 postos de saúde da região de forma que em cada semana participem seis da reunião de Interconsulta no CAPS AD. Assim, em um dia da semana previamente agendado, recebemos um grupo de profissionais de seis postos de saúde para realizar a atividade de Interconsulta. Durante a reunião, os profissionais de cada posto de saúde (clínico geral e/ou enfermeira e/ou agente comunitário) trazem o prontuário de alguns pacientes ou simplesmente relatam alguns casos para discutir com os profissionais do CAPS AD. A reunião dura em torno de duas horas e geralmente é realizada pelo psiquiatra e pelo psicólogo, mas já participaram outros profissionais como assistente social e clínico geral. Utilizamos a internet para relembrar a data das reuniões de Interconsulta enviando e-mail aos profissionais que costumam participar, mas em geral todos os serviços já sabem qual é o dia do mês da sua reunião.
O serviço de Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul em Saúde Mental (PACS/SM) também participou da

Interconsulta durante o ano de 2008, trazendo para discussão os casos que desejava encaminhar ao CAPS. O que propiciava uma troca ainda maior entre serviços de três níveis de complexidade (primário, secundário e terciário) sobre os casos de Álcool e outras Drogas. Desta forma, o CAPS realiza a sua função de regulação da rede. Além disso, serviços da Assistência Social (FASC – Fundação de Assistência Social e Cidadania) também participam eventualmente das reuniões de Interconsulta para
discutir algum caso ou situação.

Entendemos que a Interconsulta deve ser interdisciplinar e por isso há sempre pelo menos dois profissionais de áreas diferentes, para que não se configure em uma discussão que trabalhe questões
relacionadas a apenas um campo de conhecimento.

O psicólogo tem um papel muito importante na Interconsulta, citaremos alguns aspectos relevantes, ele auxilia: 1) na compreensão dos aspectos psicodinâmicos dos conflitos e situações; 2) na orientação aos profissionais sobre a importância de escutarem o usuário e familiares, além de diferenciarem os níveis de gravidade do uso; 3) no auxílio aos profissionais para que estes sejam capazes de ajudar o usuário a identificar os riscos e a modificar algumas rotinas, 4) em ajudar os profissionais a desenvolver estratégias para incentivar o usuário a perceber que é ele quem deve ser o protagonista de sua melhora ou de sua vida e quem tem o poder de mudar sua situação, etc.

Em que consiste...

A Interconsulta consiste em discussão interdisciplinar de casos, avaliação conjunta, formulação de um

Projeto Terapêutico Singular de forma coletiva com a colaboração dos profissionais da rede básica e dos profissionais do CAPS. Além disso, também é um espaço onde os profissionais da rede básica trazem suas angústias relativas ao trabalho – as situações geradas pelo tráfico e seus efeitos, dificuldades no trabalho com a saúde mental e AD, etc -, trocam experiências entre si sobre a organização dos processos de trabalho no posto de saúde, refletem sobre eventuais questões funcionais relativas ao vínculo empregatício, pois os profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF) são terceirizados e quando, eventualmente, há mudança de contratante isso ocasiona insegurança nos trabalhadores, e outras questões. Ou seja, a reunião tem por objetivo principalmente pensar o atendimento ao caso e às situações na área de Álcool e outras Drogas, mas também são discutidos outros temas configurandose, então, em um espaço que possibilita cuidar do cuidador, através do acolhimento das demandas dos profissionais em relação às dificuldades em seu trabalho. Isso acontece por entendermos que acolher e escutar as angústias do trabalhador em relação ao seu atendimento ao alcoolismo e drogadição ou em
relação à organização do trabalho, tem efeitos sobre o seu acolhimento e escuta ao usuário do SUS.
Eventualmente, a pedido dos profissionais da rede básica e quando conseguimos tempo para isso, também discutimos casos de usuários com problemas na área de saúde mental e que não fazem uso de álcool e drogas.

Na discussão conjunta dos casos avaliamos cada situação, a indicação do atendimento e os encaminhamentos adequados para estes ou situação singular. Nestas discussões ponderamos se o paciente deve prosseguir em atendimento com a rede básica, se deve ser encaminhado ao CAPS AD ou à emergência de saúde mental (PACS/SM) visando uma internação hospitalar, ou ainda, a uma internação em Comunidade Terapêutica. Nos casos em que indicamos a continuidade de atendimento na rede básica, por exemplo, podemos sugerir a aproximação dos retornos de consultas ou de novas consultas com o clínico geral para acompanhamento mais frequente do caso, visitas domiciliares, escuta mais detalhada para avaliar melhor a situação singular do caso, escuta do familiar, indicação de alternativa complementar para suporte ao usuário e familiares, como a participação em grupos de apoio, no caso Álcoólicos Anônimos (A.A.) ou Narcóticos Anônimos (N.A.) ou Al-Anon e Nar-Anon, estes últimos voltados para os familiares. Também avaliamos outros encaminhamentos para a rede
social de assistência e de lazer, quando necessário.
Embora a reunião seja aberta a participação de qualquer profissional da rede básica os mais frequentes têm sido os clínicos gerais e enfermeiros, e alguns agentes comunitários também têm participado. Sempre participam da Interconsulta dois profissionais do CAPS AD e percebemos que a troca se dá não só conosco, mas também há grande troca dos profissionais da rede básica entre si, compartilhando dificuldades e dando sugestões uns aos outros de encaminhamentos das situações.

De seus objetivos e resultados
Entendemos que a Interconsulta visa:

capacitar profissionais da rede básica a acolherem, avaliarem, tratarem e acompanharem alguns
casos de uso prejudicial de álcool ou outras drogas;

1. articular a rede de serviços de saúde da região, no caso serviço especializado e rede básica
possibilitando um fluxo de encaminhamentos não burocratizado;

2. trocar experiências e auxiliar sobre o atendimento aos casos que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, compartilhando responsabilidades;

3. pensar ações de promoção à saúde e prevenção ao uso prejudicial em AD junto à rede básica.
Como resultados obtidos, podemos afirmar que os profissionais que participam assiduamente da Interconsulta têm qualificado seu atendimento nos casos de AD, possibilitando a estes diversas transformações no cotidiano das ações desenvolvidas na rede básica.

Os profissionais mudaram sua atitude com relação ao usuário de drogas; repensaram seus preconceitos; passaram a identificar e avaliar melhor os casos de AD; passaram a trabalhar em cima dos projetos de vida do usuário; passaram a auxiliar o usuário na motivação ao tratamento ou na construção de sua demanda e não só encaminhá-lo ao serviço especializado com o Documento de Referência sem ajudá-lo na construção da motivação; passaram a acompanhar e tratar alguns casos e com bons resultados a partir da orientação recebida na reunião; passaram a escutar também aos familiares ou acompanhantes; passaram a se envolver mais com os casos, sentindo-se mais seguros para atendêlos, realizar as intervenções, escutar e acolher. Esse processo foi facilitado também devido ao vínculo de confiança que os usuários construíram com os profissionais da rede básica por já conhecê-los de longa data.

Há casos de usuários que querem se tratar com seu médico do posto por causa do seu vínculo e não querem ser encaminhados ao serviço especializado, e nestas situações, quando há indicação, auxiliamos o profissional da rede básica a realizar este atendimento. Ou, quando é necessário encaminhar ao serviço especializado, orientamos o profissional da rede básica sobre a importância da construção da demanda do usuário para poder realizar seu encaminhamento.

Abrimos a possibilidade de que os postos de saúde que participam da reunião de Interconsulta possam encaminhar casos por telefone quando houver urgência e for necessário. Mas não abrimos esta possibilidade aos postos que não participam da Interconsulta para não incentivar uma prática de só encaminhar os casos por telefone sem se envolver e se implicar na discussão e no atendimento aos casos de AD.

Ossos do ofício

Ainda encontramos algumas dificuldades no desenvolvimento das atividades, pois nem todos os 25 postos de saúde da região participam da Interconsulta com frequência. Em 2009, dentre os postos de saúde participantes das atividades de Interconsulta a frequência variou entre 11% a 88% de presença nas reuniões. Cinco postos de saúde não participaram de nenhuma reunião durante o ano. Temos constatado que as ESF’s participam bem mais que as US. Também percebemos que em todos os postos de saúde a participação na Interconsulta, assim como, o próprio atendimento aos casos na
rede básica ainda fica centralizado no profissional médico.

Para aumentar a participação dos postos de saúde estamos realizando um Projeto de Sensibilização na área de Álcool e outras Drogas que consiste em ir até a rede básica para conversar com as equipes de cada posto de saúde sobre as dificuldades com os casos, e também para divulgar o CAPS AD e a
Interconsulta, além de divulgar a pequena rede de atendimento em AD da região distrital.
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Referências:
. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas.
. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2004a.
. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de
Humanização.
. HumanizaSUS: equipe de referência e apoio matricial. Brasília: Ministério da Saúde , 2004b.
. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
. Departamento de Atenção Básica.
. Diretrizes do NASF. Núcleo de Apoio à Saúde da Família.

Alegre: 2005.

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