sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

PECULARIEDADES DO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM DOMICÍLIO E O TRABALHO EM EQUIPE.


O processo de doença desencadeia, em geral, ansiedades, conflitos e fantasias, que vão “contagiando” todos os envolvidos. Inseguranças podem gerar dúvidas quanto ao atendimento prestado pela equipe, o conforto trazido pela assistência em casa pode se tornar um incômodo, sendo o suporte psicológico extremamente necessário para evitar que essas dificuldades comprometam o tratamento. (Gavião & Palavéri, 2000)


A assistência domiciliar prevalecia tempos atrás, antes dos hospitais terem a finalidade curativa que têm hoje. Segundo Foucault (1981), o hospital funcionava na Europa, desde a Idade Média, não para cura, mas como “morredouro”. Antes do século XVIII, tinha por função dar assistência aos pobres e miseráveis, que podiam, assim, ser isolados do restante da população, que não seria contagiada com doenças. Essas pessoas recebiam cuidados de religiosos ou leigos, ficando a função médica para ser exercida no domicílio.

Segundo Albuquerque (2003), a prática de atendimento de doentes em domicílio já é citada no Velho e no Novo Testamentos e, no século XIX, organizações de home care (termo americano para assistência domiciliar utilizado, em geral, por empresas privadas no Brasil) eram formadas por associações de enfermeiras visitadoras, vinculadas a movimentos filantrópicos. Os programas tinham como foco a saúde pública e a prevenção de doenças. No início do século XX, as visitas domiciliares eram feitas por médicos, com limitações de tecnologia e tratamentos.

Após grande tempo de predominância da assistência hospitalar, voltou-se a fazer experiências com a assistência domiciliar nos EUA em 1947 e na França em 1951, como uma alternativa à superlotação de leitos hospitalares. Depois disso, ocorreu, paulatinamente, a adesão de outros países da Europa e de outros continentes, até que essa forma de atendimento chegasse ao Brasil (Jacob Fº, 2000). Neste país, o pioneiro dessa prática foi o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, que implantou o serviço de assistência domiciliar em 1968.

Dentro do conceito de assistência domiciliar, há tipos distintos de tratamento, como a internação domiciliar, onde são colocados equipamentos hospitalares na casa do paciente e há a presença de profissionais qualificados 24 horas por dia para operá-los e acompanhar o doente. Já o atendimento domiciliar tem características distintas, não se dispondo de aparato hospitalar ou recursos humanos especializados diuturnamente no domicílio. Os profissionais de saúde visitam o paciente periodicamente e familiares podem manusear os equipamentos necessários ao tratamento (Jacob Filho, 2000).

Na atualidade, a assistência domiciliar agrega a participação sistemática de diversos profissionais nos cuidados oferecidos ao paciente em sua casa, seja com objetivo de prevenção de problemas de saúde ou de assistência para doenças já instaladas. Neste último caso, vão ser assistidas em domicílio pessoas acometidas pelas mais variadas doenças, em geral crônicas, que impossibilitem ou pelo menos dificultem sua locomoção para o tratamento em hospitais ou clínicas. São pacientes que não se beneficiariam de uma internação, contribuindo-se para a conseqüente diminuição de gastos institucionais, disponibilizando leitos e colaborando para evitar infecções hospitalares.

O mais indicado é que o trabalho seja executado por uma equipe de saúde multiprofissional e, se possível, interdisciplinar, para prover um melhor atendimento. Vários são os profissionais que podem compor a equipe. Áreas como medicina, enfermagem, serviço social, nutrição, fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, odontologia, terapia ocupacional e farmácia podem conviver ainda com religiosos, atuando na dimensão espiritual, e arquitetos, a fim de orientar a adequação do ambiente domiciliar de acordo com as necessidades de cada paciente. Para a psicologia, o trabalho em domicílio representa um campo de atuação ainda pouco explorado, que pode contribuir para que pacientes e familiares pensem sobre a prevenção de doenças ou lidem melhor com o tratamento daquelas já existentes.

Um exemplo desse tipo de trabalho é o Núcleo de Assistência Domiciliar Interdisciplinar (NADI) do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC-FMUSP). Criado em 1996, tem “como objetivo principal a desospitalização de pacientes cujo tratamento possa ser feito em domicílio, seja reduzindo seu período de internação e/ou a freqüência de novas admissões” (Jacob Filho et al., 2000, p. 541). Como objetivos secundários, o programa visa garantir assistência, orientando pacientes e familiares quanto a noções básicas de saúde e envolvimento nos cuidados. Cabe também aos profissionais a orientação da família de pessoas fora de possibilidades terapêuticas curativas, para que o falecimento ocorra em casa, se esse for o desejo dos doentes e familiares.

Os pacientes são encaminhados pelas diversas clínicas que compõem o Complexo HC, destacando-se, em número de indicações, os Institutos Central, do Coração e de Ortopedia. A maioria dos pacientes são idosos e portadores de doenças crônicas, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes, cardiopatias, acidente vascular cerebral, esclerose múltipla, outras doenças neurológicas, seqüelas de acidentes (automobilísticos, ferimentos por arma de fogo...), neoplasias, doenças respiratórias, fraturas, entre outras, como ocorre geralmente na população atendida pelos serviços que oferecem esse tipo de assistência.

Após o encaminhamento, o paciente passa por uma avaliação com médico, assistente social e enfermeira. A pessoa deverá preencher os critérios de inclusão, que são: ser paciente do HC, tendo passado por pelo menos três consultas ambulatoriais ou um período de internação em enfermaria; residir em um perímetro de até 15 Km de raio a partir do HC; apresentar dificuldade de locomoção; ter um cuidador, que é a pessoa que prestará os cuidados ao paciente seguindo as orientações da equipe de saúde.

A presença do cuidador é fundamental para que o trabalho seja eficaz. No caso do NADI, a maioria dos cuidadores são informais, ou seja, familiares ou amigos que prestam cuidados aos pacientes, sem remuneração para isso. A equipe de saúde é formada por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, fonoaudiólogos, odontólogos, farmacêuticos e terapeutas ocupacionais. Após a visita de avaliação, há uma discussão em equipe sobre a existência de indicação real para a inclusão do paciente no programa. É a partir da experiência do NADI que abordamos aqui o trabalho do psicólogo em domicílio, fazendo parte de uma equipe multiprofissional, que presta assistência a pacientes portadores de doenças crônicas.

O trabalho em equipe multiprofissional

O trabalho em equipe permite a divisão de responsabilidades na tomada de decisões quanto ao direcionamento dos tratamentos. Isso não significa que a responsabilidade de cada profissional diminua em relação ao paciente, mas sim que várias pessoas, pensando sobre os casos a partir de pontos de vista diferentes, têm maiores chances de levar em conta todas as implicações existentes antes de decidirem condutas. É uma facilidade, ainda, um mesmo profissional não precisar dar conta de todas as queixas do paciente, referentes a áreas de formação diferentes da sua. Porém, uma vez que a formação acadêmica individual não privilegia o trabalho em equipe, esta forma de atuar só pode ser aprendida com a prática.

As várias pessoas que compõem a equipe podem ir juntas ou não às casas dos pacientes. Quando várias delas chegam ao domicílio, deve haver o respeito de cada profissional pelo atendimento do outro, estando atentos, ainda, à gama de informações que são passadas ao paciente e ao cuidador para que elas não sejam excedentes e que os interessados as compreendam.

Devem estar cientes, acima de tudo, de que quem dita as regras são os donos da casa, pacientes e seus familiares, e que o espaço domiciliar deve ser ocupado respeitosamente, para que os moradores não percebam a visita dos profissionais como uma “invasão”.

O atendimento em conjunto permite que um profissional assista ao trabalho do outro, ou parte dele, o que pode provocar um incômodo em alguns membros da equipe. Por outro lado, é uma ótima oportunidade para que haja um grande aprendizado dos profissionais sobre as áreas de saber diferentes das suas. As decisões quanto às intervenções terapêuticas, muitas vezes, são tomadas em conjunto, assim como os profissionais podem dividir também os momentos de sofrimento diante de insucessos nos tratamentos ou da morte dos pacientes. Para que a comunicação flua de forma satisfatória entre os membros da equipe, é fundamental que os jargões próprios de cada área da saúde sejam explicados a todos os demais ao serem utilizados por qualquer profissional. Termos técnicos incompreensíveis podem fazer com que os colegas formulem idéias erradas quanto ao que ocorre com os pacientes na realidade.

Os profissionais da saúde, em geral, tendem a perceber o paciente e sua família de forma extremamente objetiva, analisando, também assim, a sua relação com eles. O psicólogo que participa de uma equipe que faz atendimento em domicílio pode trazer, para os outros membros que a compõem, a subjetividade do paciente, do seu cuidador e da família. É seu papel, também, facilitar a comunicação entre a equipe e os pacientes e/ou familiares.

Para que os demais profissionais possam solicitar o trabalho do psicólogo é preciso que entendam o que ele faz, como trabalha. Isto deve ser explicitado por esse profissional de saúde mental, que deve, por seu lado, informar-se também a respeito de efeitos de medicamentos que os pacientes estejam tomando e que possam influenciar seu humor, sua cognição ou trazer outros efeitos colaterais. É necessário que o psicólogo mantenha um diálogo constante com outros membros da equipe sobre as implicações orgânicas de cada caso, compreendendo o processo de adoecimento do paciente, do seu quadro clínico.

Peculiaridades do trabalho do psicólogo no domicílio

Alguns aspectos psicológicos são característicos de pacientes atendidos em domicílio, sendo mais freqüentemente encontrados: medo de não estar no hospital em momentos em que necessite de maiores recursos tecnológicos; traços depressivos após o aparecimento abrupto da doença e mudança de vida; inversão de papéis, tendo-se, muitas vezes, o habitual provedor da casa em situação de dependência dos filhos; sentimento de culpa por se perceber como um “peso” para os familiares... Em relação aos cuidadores, apresentam-se quase sempre sobrecarregados com o acúmulo de tarefas a cumprir e sem disposição para cuidar de si próprios.

Apesar disso, não podemos partir do pressuposto de que todos os pacientes com doenças crônicas e dependentes necessitem de tratamento psicológico, assim como seus cuidadores e demais familiares, já que muitos se valem de mecanismos de defesa eficazes para lidar com a situação em que se encontram. Percebe-se com freqüência a racionalização em relação ao que é vivenciado e observa-se o importante papel suportivo desempenhado pela religião na vida dessas pessoas. Além disso, nem sempre a presença do psicólogo na casa é requerida pelo próprio paciente. Muitas vezes, o atendimento psicológico ocorre por indicação médica ou de algum outro profissional, devendo haver a averiguação da existência de demanda de paciente e/ou familiares para a realização do tratamento.

O profissional necessita ter cuidado para não impor seus valores e crenças ao paciente e demais moradores do domicílio, já que cada pessoa tem seu jeito de viver em família, tem um gosto pessoal para a arrumação da casa, horários diversos de refeições etc. Também devemos estar atentos para o fato de que a ida do psicólogo ao domicílio do paciente não constitui uma visita social, e que este deve colocar limites à família se esta demonstrar que gostaria que o relacionamento ultrapassasse o campo profissional. Há grande possibilidade da formação de um vínculo mais estreito entre profissionais e clientes, devido à maior proximidade com o paciente e a família, o que necessita de um manejo adequado por parte do profissional. Não significa que não se possa aceitar um café que venham oferecer, até porque, no contexto de nossa cultura, isso poderia ser entendido como uma desconsideração para com a família. Mas há que se cuidar para que não seja diminuída a seriedade do trabalho, o que poderia ter como conseqüência um insucesso. No ambiente domiciliar, há sempre a “tentação” de se perder o foco pretendido e conversar sobre a decoração da casa, assistir TV na hora do atendimento, participar de festas familiares... O bom senso de cada profissional costuma permitir que se analise cada situação e que se tome a melhor conduta em cada momento específico.


O trabalho do psicólogo hospitalar é marcado pela necessidade de diversas adaptações ao modelo mais tradicional de atendimento, aquele realizado em consultório particular. Isso fica exacerbado quando este trabalho se dá no domicílio do paciente. Não se sabe a priori, por exemplo, em que parte da casa a sessão psicológica poderá se realizar, o que vai depender da vontade do paciente. Em assistência domiciliar, é ele e/ou seus familiares que dão as diretrizes sobre como o profissional deve se comportar em sua residência: onde sentar, se tem permissão para entrar no banheiro, no quarto, enfim, na intimidade da família. Sem noção prévia de que tipo de moradia irá encontrar (grande, pequena, com vários cômodos ou um só...), o psicólogo terá que utilizar a criatividade para, no momento do atendimento, sugerir a melhor forma para realizá-lo com o mínimo de interferência possível, neste setting tão peculiar.

O controle dos profissionais e do psicólogo, em particular, sobre o ambiente, é muito difícil, não sendo incomuns as interferências no momento dos atendimentos (o telefone toca, a criança chama pela mãe que está sendo atendida pelo psicólogo, a campainha soa e ela vai atender...). O psicólogo nem sempre pode seguir o que é combinado quanto ao número de sessões por semana, o horário e o tempo de cada sessão, principalmente pelas intercorrências que o trabalho em equipe pode abarcar. Pode acontecer, por exemplo, a necessidade de desmarcar a sessão psicoterápica de um paciente para que o automóvel do serviço, que transportaria o psicólogo para tal atendimento, possa ser usado por um colega para atender uma emergência médica. A possibilidade de ocorrência de imprevistos desse tipo deve ser explicada ao cliente no momento do contrato.

O sigilo também fica prejudicado, por vezes, devido às características de acomodação em cada domicílio. Caso haja vários cômodos, há maior possibilidade de se conseguir um lugar mais reservado para o atendimento.

Porém, numa casa de dois cômodos, o esforço para resguardar a intimidade do paciente muitas vezes não é suficiente, podendo haver prejuízos para o tratamento. É curioso como, ao chegar na casa com a equipe de saúde, o paciente dá sinais para o psicólogo sobre para quais conteúdos a manutenção do sigilo é imprescindível ou não. Assim, se o paciente conta algo na frente de outros profissionais ou familiares, sem demonstrar preocupação com isso, pode-se supor que tal assunto não necessita ser tratado de forma tão privada.

Se, por outro lado, o paciente ou o cuidador chamam o psicólogo de lado para falar sobre “uma coisa” específica, esse prólogo já nos dá a medida da necessidade da manutenção do sigilo frente as outras pessoas. Cabe ao psicólogo decodificar esses sinais e trabalhar com esse material.

Levando-se em conta todas essas observações, é importante o psicólogo hospitalar entender que, ao atender em domicílio, terá que ter flexibilidade, já que o modelo clínico clássico de atendimento não funcionará. Deve estar aberto a experiências diferentes daquelas com as quais está mais habituado na prática clínica tradicional. O setting domiciliar apresenta-se repleto de limitações (tempo, lugar, constância...), mas também comporta várias possibilidades de atuação não pensadas anteriormente.

Avaliações e intervenções psicológicas

A partir da experiência no NADI, pensamos que o trabalho do psicólogo hospitalar em domicílio deve acontecer em quatro instâncias: com o paciente, o cuidador, a família e a equipe de saúde, a partir de um psicodiagnóstico situacional que leve em conta todos esses níveis.

Assim, o psicólogo avalia como o paciente está enfrentando a situação de doença, quais os recursos psíquicos disponíveis, a existência de comprometimentos psíquicos advindos da doença orgânica ou não (daí a importância da interconsulta com o médico para se informar), o momento de enfrentamento da doença em que se encontra (negação ou aceitação) e o prognóstico. Como já foi citado, é comum a existência de quadros depressivos devido aos diversos graus de dependência a que os pacientes estão submetidos e à mudança de papéis que experimentam.

O cuidador é avaliado pelo psicólogo quanto à forma como está enfrentando a situação de doença sendo focalizados, principalmente, a existência ou não do cuidado consigo mesmo (se tem tido lazer, se divide tarefas com outras pessoas) e os efeitos que o exercício de cuidar tem tido em sua vida, com as perdas e ganhos que isso significa. Não é raro que esta pessoa se apresente sobrecarregada em suas tarefas com o paciente e num quadro de stress, embora reconheça sentir-se bem por cuidar de alguém que lhe é querido, sendo útil, tendo uma importante função (Laham, 2003).

Uma vez que tenha acesso a outros familiares, o psicólogo se preocupa em perceber também como eles encaram a situação de ter um parente doente, como estão se organizando para os cuidados e em identificar eventuais problemas na dinâmica familiar que possam estar interferindo no andamento do tratamento do paciente.

Com a equipe de saúde, o psicólogo procede à observação da dinâmica existente entre esta e o paciente, familiares e cuidador no momento das visitas domiciliares. Em reuniões de equipe, onde há discussões de casos, informa como o paciente, o cuidador e a família estão reagindo à situação de doença, focalizando as implicações psicológicas de cada caso atendido, auxiliando na análise de eventuais problemas, trazendo aspectos psicodinâmicos da relação profissional-cliente, levantando hipóteses psicológicas que possam explicar o porquê de comportamentos como a não adesão ao tratamento proposto, por exemplo. Tudo isso preocupando-se sempre em não expor detalhes sigilosos da vida dos envolvidos ao apresentar a dinâmica psicológica de cada caso.

É importante ressaltar que o psicólogo não deve se colocar no papel de “terapeuta” da equipe, já que também faz parte dela, ainda que se depare com a existência de pedidos nesse sentido. Eles são comuns, já que o trabalho é mobilizador de várias emoções, principalmente quando a convivência com a morte é constante – o que ocorre nesse tipo de atividade.

Devido às características clínicas dos pacientes atendidos, a gravidade de cada caso, vários deles têm apenas a possibilidade de receber cuidados paliativos para que vivam o tempo que lhes resta da melhor forma possível, sem desconforto ou dor. É comum também ocorrer a identificação com os pacientes, principalmente quando estes são jovens, da mesma faixa etária dos profissionais. Estes presenciam o sofrimento de doentes e familiares e sofrem também com a morte dos pacientes mais queridos.

A partir desse psicodiagnóstico situacional, o psicólogo irá nortear sua atuação em cada caso, dependendo das necessidades e demandas levantadas.

Poderá, então, propor: uma psicoterapia breve para o paciente ou o cuidador individualmente, ou incluir os cuidadores em grupos terapêuticos; realizar orientações individuais ou grupais; participar de reuniões de família, juntamente com outros membros da equipe de saúde, para redirecionar o tratamento (por necessidade de cirurgias, procedimentos invasivos, casos de não adesão, orientações focalizadas na provável proximidade do óbito do paciente, entre outros); além de trazer à equipe conteúdos subjetivos dos casos atendidos.

Nos atendimentos individuais aos pacientes e cuidadores é freqüente observar a presença de traços depressivos e de ansiedade, a procura de explicações para o advento da doença, dificuldades para aceitar a situação de dependência e a troca de papéis que, por vezes, se estabelece na família, já que, como foi referido, é comum o provedor da casa passar a ser dependente de quem antes estava sob seus cuidados, como acontece entre pais e filhos. Já no trabalho em grupo com os cuidadores são freqüentes as queixas quanto à dificuldade de divisão de tarefas com outros membros da família, as trocas de experiências entre eles acerca da forma de realização de cuidados específicos, como o banho do paciente no leito ou a administração da dieta. São tratados também assuntos como a angústia de conviver com pacientes sem perspectiva de melhora clínica ou demenciados, e os encargos físicos e emocionais que isso traz para os cuidadores, entre outros conteúdos.

O atendimento em domicílio permite maior contato com a realidade concreta do paciente, havendo a possibilidade de se observar características da dinâmica familiar que não aparecem nos atendimentos nas instituições de saúde, que podem e devem ser utilizadas como dados para o psicodiagnóstico. Quanto às limitações à atuação do psicólogo no domicílio, é desejável que estas sejam encaradas como desafios, e que não signifiquem um entrave a esse tipo de tratamento para pacientes que, muitas vezes, se vêem impotentes diante da doença que não tem cura, mas que insistem na continuidade da vida, com o máximo possível de qualidade.

CPHD-NE LTDA - Atendimento Psicológico Hospitalar e Domiciliar em Recife/PE
Rua da Amizade, 54 - Graças, Recife/PE
Informações:

(81) 3231.0945
        3221 8480
       9435 7365
www.cphd.com.br
psicologia@cphd.com.br
kbranco@cphd.com.br

Caso clínico

Será apresentado agora um caso atendido pelo NADI que, acreditamos, ilustra o que tem sido relatado até aqui a respeito do trabalho do psicólogo com pacientes portadores de doenças crônicas, atendidos em domicílio, sendo este profissional componente de uma equipe de saúde.

Joana (nome fictício) tinha 45 anos quando foi admitida pelo Núcleo de Assistência Domiciliar Interdisciplinar do ICHC-FMUSP. Era portadora de paralisia parcial abaixo do nível do quadril, secundária a acidente ocorrido no momento de seu nascimento; deformidade de caixa torácica e bacia; úlcera por pressão grau IV (ferida profunda na pele); incontinência fecal e urinária; constipação intestinal crônica (7 dias); síndrome depressiva; tumoração de mama a esclarecer e suspeita de hipertensão arterial sistêmica. Sofreu um acidente vascular de tronco cerebral três anos antes, evoluindo com perda de força motora parcial do lado direito do corpo. Em conseqüência do AVC, tornou-se totalmente dependente para atividades de vida diária. Era usuária de cadeira de rodas. Sua mãe, de 85 anos, cardiopata, era atendida pelo serviço de assistência domiciliar. Joana era solteira e morava com a mãe e duas sobrinhas (de 29 e 27 anos de idade), sendo que o irmão e a cunhada residiam no mesmo quintal.

Ao atender a mãe de Joana, a equipe de saúde percebia que grande parte da aflição dessa paciente era referente à filha, acometida por tantas patologias, sendo que a mãe, que sempre havia cuidado dela, tinha cada vez mais dificuldade nessa atividade por conta de sua própria condição de saúde. Assim sendo, foi proposto estender o atendimento domiciliar a Joana, que era paciente do HC e preenchia os critérios de inclusão no programa.

Algum tempo após sua entrada no NADI, a equipe de saúde que a visitava começou a se queixar de falta de adesão ao tratamento. A paciente não estaria disposta a seguir as orientações, nem tampouco preocupada em que a úlcera, na região sacra, fechasse. Não fazia os curativos adequadamente e não mudava de posição, estando sempre na cadeira de rodas, “em cima da escara”. Além disso, recebia a equipe com ironia e sarcasmo, “rindo da gente”.

A equipe conversava, então, sobre a possibilidade – praticamente certa - de dar alta à paciente por falta de adesão ao tratamento.

Nesse momento, entrava para a equipe uma aluna do curso de aprimoramento em Psicologia Hospitalar, especialização cuja parte prática seria desenvolvida, por um ano, no NADI. Foi solicitado, então, que essa profissional fosse à casa da paciente e fizesse uma avaliação da situação em questão, já que ela não estava “contaminada” pela raiva que assolava vários membros da equipe em resposta às atitudes da paciente. A psicóloga procedeu, então, o psicodiagnóstico situacional.

O que encontrou foi um quadro diferente daquele descrito objetivamente pelos demais profissionais. A paciente trouxe sua versão da história, manifestando o desejo de que a ferida fechasse sim, porém não estava conseguindo cumprir as orientações da equipe. Em relação a mudar de posição, disse ser muito difícil sair da cadeira de rodas, ficar deitada, por conta das fortes dores que sentia em virtude das deformidades. Sobre trocar os curativos, evitava, uma vez que apenas a mãe podia fazê-lo, e esta passava mal quando cuidava da filha, pois também estava fragilizada. O medo de que algo “ruim” acontecesse com a mãe (piora do seu estado de saúde) fazia com que Joana preferisse continuar com a úlcera ao invés de deixar que a limpeza fosse feita no local.

Quanto à sua postura irônica diante da equipe, foi possível compreender os motivos de sua resistência em colocar em prática o que era recomendado. Por outro lado, foi percebido que sentia a equipe hostil e descrente quanto à sua adesão ao tratamento.

Foi detectado também um sentimento ambivalente da paciente em relação à sua mãe, uma mistura de amor por ela ministrar os cuidados e de raiva, já que Joana culpava a mãe pelo acidente de parto, uma vez que foi a única filha nascida em casa. Acreditava que se tivesse nascido na maternidade, como os irmãos, tal dano não teria acontecido. Aliada a tudo isso, apresentava auto-estima muito rebaixada.

A psicóloga, então, ofereceu à paciente sessões de psicoterapia breve, onde foram trabalhados conteúdos a respeito da relação dela com a mãe e com outros membros da família, os quais não deixava que se aproximassem para auxiliar nos cuidados. Enquanto isso, junto à equipe de saúde, foram discutidos os dados psicodinâmicos e apresentadas outras interpretações dos fatos. Foi discutida, também, a importância da mudança da postura dos profissionais frente à paciente, de modo a se disponibilizarem para orientá-la com mais atenção e paciência, esclarecendo-a sobre a gravidade do estado da ferida na região sacral.

Joana começou a apresentar disposição em melhorar, consentindo que a cunhada fizesse também os curativos na ferida. Pensou, por si mesma, em alternativas para a mudança de posição que tinha que fazer para auxiliar no fechamento da úlcera, como sair da cama mais tarde, no período da manhã, e ir para a cama mais cedo, à noite, para passar mais tempo deitada. Após dois meses já se mostrava mais motivada para a vida e começava a resgatar, também, um melhor relacionamento com a mãe. Em três meses a escara havia melhorado muito e a auto-estima de Joana estava elevada. Apenas a necessidade de biópsia para esclarecimento do tumor na mama a deixava ansiosa, porém, o resultado do exame, posteriormente, revelou que era benigno. Diante da situação emocional estável em que permanecia após mais alguns meses, Joana recebeu alta quanto à psicoterapia e continuou sendo atendida pela equipe do NADI, com quem passou a manter um ótimo relacionamento. Neste caso, a intervenção psicológica, juntamente com a disposição da equipe em repensar suas atitudes, parecem ter sido fundamentais para que a assistência à paciente fosse mantida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário